Pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgada em março dá dimensão da importância do setor industrial para o Brasil. Na percepção de 97% da população, para a economia do Brasil crescer, é necessário que a indústria também cresça. A pesquisa levou em consideração a importância da indústria na visão da população. 94% dos pesquisados também concordam totalmente, ou em parte, que o Brasil precisa investir mais em sua indústria.
Para a economista, doutora em Desenvolvimento Regional, professora universitária e coordenadora do Parque Científico e Tecnológico Univates, o Tecnovates, Cintia Agostini, esta percepção da população é, de certo modo, natural. Isto porque é na indústria que ocorre a agregação de valor, a transformação da mercadoria. É a indústria que processa a matéria prima do setor primário, o agro, e transforma em produtos que são vendidos pelo setor de serviços, o comércio.
Além, disso, ela explica que o sistema capitalista mundial, enquanto sistema de produção, adquire maturidade quando ele passa pelos processos de industrialização, a partir da primeira e da segunda revolução industrial e, no caso do Brasil, de forma mais intensa a partir de 1930. A indústria se consolida como aquela que agrega valor, que contrata, qualifica, automatiza e cria processo e ensina o que hoje se conhece, em boa parte, de fazer gestão.
A partir da década de 1970 essa indústria passa por uma mudança, forçada pelo processo de flexibilização da economia, perseguindo a personificação de produto, a globalização. A indústria mundial continua sendo a grande indústria com conglomerados internacionais. Hoje estão inseridas nas chamadas cadeias globais de valor, que podem contar com partes do processo feitas em locais diferentes. “Esse é o tema mais atual quando a gente olha para essa dinâmica mundial, que são as cadeias globais de valor”, pontua Cintia.
Sobre a indústria nacional, a economista ressalta que esta tem um caminho a percorrer. Tem como desafios a inovação, o aumento de competitividade e da produtividade e dos ganhos de escala. “Nós estamos falando de crescimento de escala, de exponencialidade e de a indústria nacional se ver como uma empresa global, mesmo atendendo a esse mercado, que é um mercado gigante no Brasil, ela conseguir se enxergar sendo competitiva no mundo. E aí tem coisas que ela precisa fazer dos seus negócios para dentro, que são qualificação da mão de obra, processos que levam automação, tecnologia da informação e inovações. Mas tem coisas que dependem não somente dela, que são políticas estruturais, políticas públicas programas que incentivem a gestão dos negócios e a industrialização”.
Em termos de perdas de competitividade da indústria nacional, Cintia cita o custo de logística, que representa, em média, 20% do custo do produto porque a infraestrutura não é a adequada, seja ela dos modais de transporte, como também em telefonia energia saneamento, etc. Aliados a isso estão os altos custos de gestão fiscal e tributária, bem como o custo de competitividade porque a mão de obra é menos qualificada. “Tudo isso gera um custo que está posto para a indústria que independe dela efetivamente. O que depende dela para dentro é o quanto mais ela consegue ser eficiente e eficaz. Quer dizer, fazer o certo e fazer bem-feito. E fazer bem-feito é ter processos que inovem, é levar em conta condições do seu mercado, é fazer gestão efetivamente desse negócio para entender parceiros, fornecedores, clientes e mercado, e estar disposta a inovar. Estar disposta a se colocar no mercado diferenciadamente, porque muitas das nossas indústrias e empresas não se enxergam assim no mercado. Elas se enxergam iguais a outros negócios. Elas são pouco inovadoras e muito conservadoras e isto é um problema”, reforça.
Este ‘problema’ apontado pela professora universitária se dá principalmente em relação aos produtos chineses. Ela explica que a China mantém a sua competitividade no mundo inteiro não só pela quantidade de mão de obra disponível, o que torna o custo menor, mas principalmente porque mantém o seu câmbio desvalorizado, o que faz com que seja muito vantajoso comprar os produtos chineses.
A situação fica ainda mais complicada à medida que se desestimula a indústria nacional. Num cenário em que já vem um produto mais competitivo da China e uma condição de competitividade internacional, a falta de condições mínimas para a indústria nacional afeta ainda mais sua concorrência no mercado. “Aí mesmo que não se consegue competir e isto é um problema que se tem”.
A Região
No caso do Vale do Taquari, Cintia diz que as indústrias estão atreladas às cadeias produtivas do agronegócio. “Temos um elo muito vinculado. O comércio vende para as pessoas que trabalham no agronegócio, na indústria e o dinheiro dessas pessoas é oriundo do agronegócio, que produz algo que a indústria processa para vender e vende para o Brasil afora. O que as nossas indústrias produzem, elas vendem no Brasil e parte é exportada. O foco da maior parte das nossas empresas e da nossa produção é o mercado nacional”.
Como o vínculo entre o agronegócio, indústria e comércio é muito forte, se um elo dessa cadeia falha, há o comprometimento do todo. É o que acontece, por exemplo, com os custos de produção do agronegócio, que estão sendo fortemente impactados com a alta do valor do milho e da soja. São impactos em cadeia, que afetam produtores, indústrias, consumidores, e o próprio comércio.
Mercado de trabalho
A pesquisa da CNI aponta que os empregos na indústria são vistos pela maioria da população como mais gratificantes que os dos demais setores (concordância de 60%), e com salários melhores que as demais empresas (55% de concordância). Mais de metade da população também vê os trabalhadores da indústria como mais qualificados que os das demais empresas (52%). Contudo, apesar da percepção positiva sobre o emprego industrial, o comércio é considerado o setor preferido para iniciar uma carreira profissional por 22% da população. A indústria aparece em segundo lugar (com 16%), praticamente empatada com a administração pública (14%).
Para Cintia, a preferência pelo comércio para o início da carreira profissional pode estar atrelada a uma série de fatores. Cita que os jovens podem preferir o comércio por despreparo ou desconhecimento do que a indústria tem a ofertar e até por uma pré-concepção sobre o que é setor industrial. Acredita que muitos não compreendem que o setor industrial, hoje automatizado do jeito que é, dá condições para qualificação e entendimento de processos.
Além disso, considera que o comércio é mais visível do que a indústria. “As pessoas enxergam o comércio, as vagas de trabalho no comércio são mais visíveis no dia a dia delas, elas passam na vitrine da loja, elas são atendidas no comércio. A indústria não. Ela trabalha para dentro. Então eu acho que tem vários aspectos que dão conta disso”.
Cintia reforça que hoje a indústria possibilita a muitos profissionais avançarem, se qualificarem e há carreiras completas no setor. “Vamos olhar mesmo para quem não tenha uma qualificação completa, mas precisa entender e compreender processos que são mais automatizados. Trabalhar numa produção nessas condições, entender rotinas processos, programas de qualidade, tudo isso perpassa a indústria, o que eu acho que são vantagens e que ajudam as nossas indústrias a se qualificarem e se colocarem no mercado nacional e internacional”.