A apreensão de produtos de origem animal sem registro nos órgãos sanitários, na Feira do Produtor de Arroio do Meio, do último sábado, dia 20, reascendeu o debate em torno de alternativas mais viáveis para pequenos produtores atenderem os requisitos da segurança alimentar. Apesar do impasse, as autoridades sanitárias, técnicos em agropecuária e políticos garantem que o município possui estrutura técnica para os empreendedores buscarem a legalização.
A ação da Vigilância Sanitária teve participação das fiscais da secretaria da Agricultura. Foram recolhidos queijos, leite e banha sem registro no Sistema de Inspeção Municipal (SIM) de diferentes feirantes. As denúncias partiram de outros produtores do mesmo grupo de expositores, que se disseram injustiçados por investirem na estrutura e regularização de suas agroindústrias.
Segundo informações da secretaria de Agricultura, em fevereiro, foi realizada uma reunião com a participação da Emater/RS-Ascar e dos fiscais sanitários e do SIM, que esclareceram que todos deveriam se adequar às leis, inclusive foi comunicado que haveria fiscalização neste sábado. “A intenção era mostrar para a população que nossa feira era qualificada, com todos os produtos em conformidade com as normas sanitárias. Temos feirantes legalizados que fizeram grandes investimentos. Já outros ganharam incentivos e ainda continuam atuando de forma irregular. Algumas inconformidades estavam sendo empurradas com a barriga nos últimos 11 anos”, comenta o secretário Elcio Roni Lutz.
O que causou estranheza entre os fiscais foi o fato de que a proibição de produtos de origem animal sem procedência, em tese, deveria estar consolidada.
O técnico agrônomo da Emater, Elias de Marco complementa que a feira é regulamentada por lei municipal que estabelece critérios e regras. “É um espaço nobre para produtores e comunidade, que têm a programação constantemente divulgada na imprensa”.
De Marco esclarece que diferentemente de verduras ou produtos de origem vegetal, os produtos de origem animal são mais suscetíveis à zoonoses e exigem cuidados redobrados nos processos de fabricação, que obrigam determinados investimentos. Citando como exemplo a única agroindústria autorizada a produzir banha e torresmo no município, que investiu mais de R$ 700 mil. “É uma questão de saúde pública e soberania alimentar”.
O assunto será pauta da próxima reunião do Conselho de Desenvolvimento Agrário. Punições, sansões e restrições à infratores não estão descartadas.
Acusado de ameaçar servidores com facão questiona falta de legislação específica
A repercussão da apreensão gerou bastante polêmica nas redes sociais, com diversas manifestações favoráveis e contrárias à ação da vigilância sanitária. Mas revoltou um agricultor, que segundo o secretário da Agricultura, Élcio Roni Lutz, teria ameaçado a integridade física dos servidores na manhã de segunda-feira.
O produtor familiar Cristiano Scheibler, 34 anos, da Cascalheira, participante da feira desde sua fundação em 2010, diz que foi mal interpretado. “Na semana passada passei na secretaria para pegar mais blocos de talão, pois tenho bastante demanda de notas mensalmente, maior que a de muitos suinocultores. Mas um servidor afirmou que apenas integrados e produtores de grande porte teriam direito a mais talões, e não os agricultores familiares. Na segunda-feira, busquei o extrato do talão e esclarecimentos na tesouraria da prefeitura. O servidor de lá me garantiu que eu teria mais quatro blocos disponíveis. Mas antes de voltar à secretaria para pedir os blocos que tenho direito, passei numa casa agropecuária para comprar uma foice e um facão, para uso na minha propriedade. Como meu veículo estava estacionado pra lá da Secretaria, acabei indo a secretaria primeiro, pois estava a pé. Por uma infeliz coincidência, acabei me comunicando gestualmente com o facão, pois não tinha onde colocar as ferramentas. O servidor logo avançou em mim me acusando de ameaças. Eu guardei o facão. Até esperei na secretaria para fazer o Boletim de Ocorrência, mas os policiais demoraram para chegar e fui fazer outras coisas. Mas o que me gera estranheza é onde estão os meus talões e se não foram direcionados para outras pessoas. Não se pode descartar irregularidades, que podem resultar em improbidade administrativa e levar a cassação do prefeito”.
Scheibler foi além, e se solidarizou com os feirantes que tiveram produtos apreendidos na feira. Afirmou que ele não é participante da feira desde o fim do ano passado, pois ele já previa este tipo de enquadramento. Ele mesmo já havia se ausentado da feira em outro período, quando buscou um plano B para aumentar a renda familiar. “Passei lá sábado no fim da feira. Infelizmente não existe uma legislação específica. Na formatação das leis para agroindústrias, o município se espelha em leis federais e estaduais voltadas para grandes indústrias, sem regras claras sobre as adequações, que são interpretativas. Na minha agroindústria de melado, por exemplo, já recebi aval positivo do projeto do antigo secretário da Agricultura, Eloir Lohmann, do chefe da Emater, André Michel Müller e do fiscal Leonardo Dalmolin Matzenbacher. Na etapa seguinte, outra fiscal apontou uma série de irregularidades, sendo que fiz exatamente aquilo que estava no projeto. Sei que agroindústrias bem mais precárias que a minha conseguiram autorização para produzir. Entendo que antes de criminalizar alguém é preciso ter uma legislação para que os produtores familiares não fiquem a mercê de interpretações esporádicas. E cada fiscal me parece ter uma sentença diferente. Há muitos abusos, absurdos e contradições, como ter que deixar o milho verde aberto e o feijão dentro da vagem, ou veículos exclusivos para uso eventual. Mas era uma situação que estava prevista. O produtor também acrescenta que durante a pandemia, uma série de negativas exigidas para regularização de agroindústrias, como cursos de Boas Práticas de Fabricação, entre outras, ficaram suspensas. Mas garantiu que apesar das dificuldades pretende se adequar e apoiar os demais feirantes a conquistarem a regularização por meio de alternativas mais viáveis. Scheibler também avaliou que o foco da secretaria de Agricultura está distorcido. “Parece mais uma extensão da fiscalização. Não é receptiva e não está dando suporte que os agricultores precisam”.
Posicionamentos divergentes
A diversificação dos produtos da feira e descentralização de atuação para os bairros foi pauta na Câmara de Vereadores em fevereiro. Sobre o fato de sábado, o líder de bancada do PP, Roque Haas deixou claro que não duvida da qualidade, mas explicou que o rito sanitário é fundamental, e uma exigência sanitária que deve ser cumprida por todos, além disso, um preceito bastante difundido e cobrado pelos órgãos públicos. “Ficou um clima chato. Ninguém é contra os expositores. Mas há uma série de critérios que são iguais para todos que querem participar”, afirmou.
O presidente do STR Astor Klaus declarou que a feira do produtor foi criada para viabilizar a comercialização de pequenos produtores, aproximando-os dos consumidores, criando uma relação de confiança, sem abrir mão da segurança alimentar. “Como se trata de uma política pública, são necessários regramentos. Acima de tudo disposição para o diálogo e construção de alternativas que viabilizem a manutenção e o desenvolvimento dos agricultores. Entretanto, a estruturação de agroindústrias exige alto investimento, o que praticamente inviabiliza os pequenos agricultores”.
A líder de bancada do MDB Adiles Meyer lamentou o episódio, pois a feira foi resgatada no governo do ex-prefeito Sidnei Eckert e aprimorada no governo de Klaus Werner Schnack, com esforço diário entre os envolvidos e treinamentos. “A decisão de rever a legislação, flexibilizar, ou de viabilizar alternativas de regularização cabem ao Poder Executivo. Lembrando que há muito esforço envolvido por parte dos produtores para conseguirem expor seus produtos na feira no sábado de manhã“.