João Gerhardt, 77 anos, morador de São Caetano, ainda guarda na memória momentos marcantes e o nome da maioria dos colegas. Frequentou a escola, construída em áreas de terras doadas por parentes, entre os anos de 1950 e 1954, depois de completar sete anos de idade.
Sua família morava na Cascalheira, imediações do “roncador”, a cerca de quatro quilômetros do educandário. A casa de ensino mais próxima (Getúlio Vargas), situada então entre o cemitério do Morro Vermelho e atual Girando Sol, acabou sendo direcionada aos evangélicos. “Quando foi fundada, em 1898, o núcleo escolar era misto e voltado a atender as primeiras famílias que colonizaram a localidade, mas depois, entenderam que era imprescindível dividir as religiões”, recorda.
Para ir à escola, assim como a maioria de seus colegas, ia a pé, descalço ou com mula, cavalo – poucos tinham botinas ou calçados. O percurso levava em torno de uma hora, mato a dentro. “Parávamos para brincar, comer bergamota. Às vezes víamos animais, como graxains ou tamanduás, mas nunca nos deparamos com uma espécie selvagem. Era seguro. No pátio da escola sempre havia de dez a 12 cavalos. Alguns iam em duplas”, recorda.
Conforme João, a distância entre os lares e a escola não era exclusividade dos católicos. Evangélicos das imediações do São José de Palmas, tinham que passar pela São Caetano e ir até a Getúlio Vargas.
Gerhardt foi alfabetizado, escrevendo na lousa (pequenos quadros individuais e com lapiseira em pedra), mas em seguida migrou para o papel. A sala tinha um pouco mais de 200 metros quadrados. As classes tinham a mesa e bancos embutidos, e cerca de cinco metros de comprimento, com friso para lápis e tinteiro. Eram ocupadas por oito a dez alunos.
Havia turmas de manhã e de tarde. Ao todo, eram um pouco mais de 100 estudantes. As aulas já eram em português, com exceção do ensino religioso, que tinha algumas rezas e práticas, como a confissão, em alemão.
A maioria aprendia a primeira palavra em português na escola. Os pais, mesmo sabendo falar a língua portuguesa, optavam por falar alemão em casa e em círculos de convívio, o que dificultava o aprendizado dos alunos na fase inicial.
Não havia energia elétrica, a luz era à base de lampião. Em casa, quando não se recebia visitas ou se ia visitar alguém, as noites eram reservadas para literatura, que era o Paulusblat, um livro de uma história indígena que envolvia ataque de índios à família Versteg, e a bíblia em alemão.
Os alunos, em sua grande parte, eram filhos de agricultores. Havia apenas quatro casas comerciais na localidade e o curtume, que concentrava um pequeno núcleo habitacional. Não havia meios de comunicação como hoje. Menos de 5% tinha rádio e 10% energia. Água tratada era uma raridade.
Na escola também não havia energia elétrica e água. Em vez de banheiros, capungas. A cisterna era boa. Antes de entrar no recinto escolar, os alunos precisavam lavar os pés com água disponibilizada em canecas e secavam com panos velhos. Assim como poucos tinham calçados, as vestimentas passavam de irmão para irmão. As meninas, na época, ainda só usavam vestidos.
O professor de João foi José Alvino Schneiders. Era multidisciplinar. Entedia suficiente, o necessário, para educar aquelas gerações. Sabia dizer não na hora certa. Nunca castigou inocentes. Seus castigos não eram severos, eram disciplinares e didáticos. Não existiam boletins, eram feitas provas finais. O prefeito era Thebaldo José Käffer.
Nos dias de chuva, os estudantes comiam merenda dentro da sala. Traziam os lanches de casa. Sanduíche de pão de milho caseiro, com dois ovos fritos, rosca, rapaduras, waffles, pão de milho frito no açúcar queimado ou ovos mexidos, empacotados em panos ou sacos de erva, pois não havia plástico. As trocas eram comuns.
As brincadeiras dos meninos eram futebol, bandeira (consistia em resgatar a bandeira do grupo rival), Roberto (no lugar da bandeira era um ente familiar), caçador e luta. As meninas brincavam de ovo podre, boneca, cozinha, dança da cadeira e ajudavam no caçador.
João lembra que a escola teve aulas suspensas por dez dias, logo depois de um feriado de Corpus Christi, devido a um surto de sarampo. Com apenas 18 alunos frequentando as escolas, o professor entendeu que era melhor paralisar as atividades. “Na época não se conhecia os termos epidemia nem pandemia. Eram tudo pestes. Convivemos com surtos de febre amarela, conjuntivite, sarampo, varíola e caxumba, fáceis de se controlar. Vejo que o governo atual acertou em fechar as escolas e suspender outras atividades que envolviam aglomerações. A Covid-19 é muito contagiosa e traiçoeira”, revela.
João acabou não cursando o ginásio, pois a distância inviabilizava a continuidade nos estudos. Optou por ajudar o pai na agricultura. Casou-se com a também aluna da escola, Sena Maria Kauffmann. Seu único filho, Tairone, (nascido em 1964 e falecido em 2019), iniciou os estudos na escola Getúlio Vargas, pois não havia mais restrições para alunos de outras religiões. Porém, devido à catequese estar inserida na grade curricular, teve que frequentar a 3ª e 4ª série na escola São Caetano.
Em 1968, um pouco antes do filho estudar no educandário, chegou a energia elétrica na localidade. No mesmo ano foi feita a primeira ampliação da escola. O prédio antigo então foi direcionado à capela e atividades escolares complementares. João foi convidado para ser presidente do CPM, mas devido à distância e falta de meios de comunicação, recusou o convite. Nas décadas seguintes palestrou inúmeras vezes para os alunos sobre a imigração alemã.
Há 15 anos, João e sua esposa, foram morar mais próximo da escola. João foi o primeiro presidente da comunidade católica, sua esposa preside o apostolado da oração e integra o coral Concórdia. São da época que não era necessário fundar entidades coexistentes à comunidade escolar para prestar serviços voluntários, de solidariedade e de utilidade pública.