Responsabilidade, satisfação pelo trabalho e, principalmente, respeito pelo próximo. Esses foram valores e princípios que guiaram a vida de Verno Majolo, numa rotina ininterrupta por quase 60 anos. Aos 79 anos, reconhece que a vida se tornou ainda melhor quando, aos 30, casou-se com Líris Blasi, de Picada Arroio do Meio, a qual conheceu durante um baile no salão Schmidt, que ficava ao lado do Guarani, em Arroio Grande.
Ao lado dos pais Friedholt e Irena Thereza Majolo e dos irmãos Marino, Dalila, Noeli, Élio, Lovane, Dária e Sérgio, trabalhou muito nos 12 hectares de terra que a família possuía na localidade de Forqueta Baixa, Arroio do Meio. Infância e juventude foram vividas ali, onde fez amizades. Nos fins de semana encontrava tempo para brincar e jogar futebol com os irmãos e amigos, quando então se reuniam nos potreiros. Ainda não havia campo de futebol nem clube na localidade.
Aos 13 anos acordava cedo, pois já trabalhava fora. Se à tarde ajudava na propriedade da família, de manhã a jornada começava cedo. Acordava antes das 6h e seguia de bicicleta até Rui Barbosa onde trabalhava para o comerciante Beno Schmidt, proprietário de uma das casas comerciais mais prósperas do município. Beno possuía caminhão, era dono da única linha de ônibus, que uma vez ao dia seguia até Pouso Novo, comercializava leite e vendia produtos para Porto Alegre. A casa era uma espécie de cooperativa visto que muitos agricultores deixavam ali suas economias, ou mesmo quando alguém precisasse algum valor, o tomava emprestado mediante pagamento de juros.
Verno trabalhava no recolhimento do leite junto às propriedades que ficavam no entorno de Rui Barbosa. O transporte era feito com uma carroça puxada por duas mulas. O leite recolhido era acondicionado em baldes. A produção das famílias era pequena. Alguns produziam dois ou três litros, ninguém mais do que cinco. Ainda não havia o tarro de leite nem o resfriador, as estradas eram tão ruins que só mesmo os cavalos conseguiam passar. Os poucos caminhões e automóveis estragavam com frequência e, nos dias de chuva, atolavam com facilidade.
Recorda que, quando tinha 18 anos, o pai decidiu vender a propriedade de Forqueta Baixa e então comprou uma pequena área de terras em Rui Barbosa. Na época só havia três ou quatro moradores residindo no local. Nas novas terras, a família passou a morar numa destas casas, que ainda hoje se mantém preservada e é do irmão Sérgio.
A propriedade adquirida era bem menor, com apenas três hectares. Como não havia terra para todos, foi preciso buscar alternativas. Como já possuíam um trator, ao lado do pai e do irmão Marino, falecido recentemente, Verno trabalhou em terra de outros colonos. Não arrendavam, trabalhavam na propriedade destes. O pai comprou, então, mais um trator, e por cerca de 12 anos, seguiram trabalhando nas propriedades onde eram chamados. Quando um não podia fazer o serviço, o outro ia. Para ir a Colinas com o trator era preciso cruzar o rio Taquari de barca. Trabalhavam também em Carneiros, Palmas, Capitão e em toda a região. Faziam de tudo: derrubavam mato, cortavam lenha, quebravam milho e até raspavam aipim para fazer polvilho.
Toda a área onde hoje está instalada a Univates e que segue até a encosta do rio Taquari, naquela época, era apenas roça. Verno perdeu a conta das vezes que lavrou aquela área. Não escolhiam local, até mesmo a ilha localizada no rio Taquari era cultivada. Segundo ele, o militar Helmuth Fucks morador do bairro Navegantes, havia “alugado ”a ilha, que era propriedade da Marinha, e passou a cultivá-la. Ao contrário do que se imagina, a ilha era grande, tinha em torno de três hectares, onde plantavam somente sementes de sorgo vassoura. Outros trabalhadores contratados pelo militar seguiam com duas juntas de bois, arando e, ao final do dia, ou do serviço, todos retornavam com a barca. Feita a colheita, um senhor, conhecido por Schmitão, proprietário de uma pequena fábrica de vassouras que havia no bairro, utilizava toda a produção.
A esta altura, pai e filhos já haviam comprado também um táxi, um Ford 37, e tal serviço seguia paralelo às atividades com trator. Algum tempo depois o Ford foi trocado por um DKV e não demorou muito foi substituído por uma Kombi, que oferecia mais espaço, onde era possível transportar mais pessoas. As famílias eram numerosas e o veículo era usado, inclusive, para transportar mudanças. Não havia linha de ônibus que fizesse o transporte de estudantes. Logo mais este serviço entrou no roteiro e tal demanda foi suprida com a aquisição de mais uma Kombi. Passaram a fazer o transporte de estudantes. Muitas vezes o ônibus que fazia a linha a Pouso Novo estava cheio, então eram chamados para transportar os excedentes. Estavam sempre fazendo corridas e, por vezes, situações curiosas aconteciam. Eram outros tempos e, seguidamente, eram chamados para levar algum jovem até a casa da namorada. Verno permanecia no local, junto ao veículo quando não ficava com o casal fazendo-lhes companhia até o término da visita, conforme combinado.
A Kombi transportou inúmeras mudanças a Santa Catarina, principalmente à cidade de São Carlos, para a qual muitos arroio-meenses migraram especialmente entre os anos de 1960 a 1970. Numa ocasião, além do casal, filhos gêmeos e sogro, também uma canga de bois e um fogão à lenha foram transportados na Kombi rumo àquela cidade. As viagens iniciavam às 4h30min com chegada às 18h. Quando contratado para levar visitantes até lá, os passeios estendiam-se em média de seis a oito dias. Nestas viagens era recebido com hospitalidade e permanecia na casa da família visitada inclusive para dormir. O prato mais apresentado era galinhada, em quase todas as casas, era assim: “uma galinhada atrás da outra”. Até hoje adora tal comida.
Disposição ao trabalho, nunca lhe faltou. Em dado momento, em meio à extensa rotina de trabalho, aceitou um novo desafio: entrou como sócio na fabriqueta de chinelos que o pai e o irmão haviam comprado, em Rui Barbosa. O trabalho com transporte de pessoas era uma loucura, tinham muito serviço e logo a pequena fábrica foi crescendo e o bairro ganhando novos moradores.
Ao olhar para trás e recordar sua trajetória de vida, é quase impossível não ficar emotivo. Foram muitas mudanças. Tantas em sua vida e outras mais profundas e decisivas na localidade onde mora há mais de 60 anos.
O nascimento das filhas Isolete e Rosilene, a chegada dos netos, Erick, Emily, Benyur e Ycaro e em 2008, a perda da companheira Líris, sem dúvida foram acontecimentos únicos e marcantes.
Com relação a Rui Barbosa, se em 1958 só existia a casa que o pai havia comprado, e bem próxima a ela a casa de comércio de Beno Schmidt e logo mais adiante os moradores Arnoldo Schwarzer e seu cunhado, Olávio Träsel, hoje tudo está completamente diferente.
Não há como negar que, em termos econômicos e habitacionais, as mudanças foram acontecendo na medida em que a pequena fábrica de chinelos foi se transformando numa empresa modelo na produção de calçados femininos para exportação, uma gigante que atendia os clientes mais exigentes do mundo. Em determinada época, só na matriz da Calçados Majolo, em Rui Barbosa, mais de mil funcionários ocupavam postos de trabalho.
Certamente, em função disso tudo, naquele período, o crescimento imobiliário, econômico e social, tenha sido tão grande. A empresa gerou empregos, renda e impostos. O bairro, de certa forma, recebia atenção do poder público municipal, mas a empresa não. É difícil, ainda hoje, encontrar algum morador que não tenha trabalhado na empresa, ou, que não tenha algum familiar que por ali passou.
Após meio século de atividades, a empresa hoje não existe mais, mas a vida continua.
Rui Barbosa se reinventa sim, porém não há mais aquela concentração de pessoas como outrora. “Em função das mudanças econômicas, percebo que imóveis são colocados à venda, e compradores não aparecem. Os comércios mais antigos têm vínculo forte com as pessoas e o trato com os clientes é fundamental. Assim seguem suas atividades ,enquanto novos empreendedores têm encontrado dificuldade para permanecer e sem estímulo para continuar, encerram as atividades. Sempre fui um homem bairrista, embora já tenha dado a minha contribuição ao mundo, na forma de trabalho, torço para que este quadro mude”.
No princípio de tudo, ainda lá na Forqueta Baixa, quando o trabalho era braçal, ou mesmo quando motorista de táxi, ou então nos 50 anos seguintes, frente à fábrica, Verno não tirava férias. Estas se restringiam a um final de semana no litoral, quando não alguns dias. Com sua simplicidade, paciência e simpatia, hoje, o que quer mesmo é paz. Estar com os amigos, fazer caminhadas pelo bairro, desfrutar da companhia da família e principalmente dos netos. Hoje é o motorista da família. Encaminha os netos caçulas à escola, à casa dos amigos, e, tem tempo para colocar em prática sua grande paixão: a culinária. Adora ir para a cozinha preparar o almoço para a família. Cozinhar tem sido um prazer quase que diário e prepara uma galinhada como poucos, igual àquelas que lhe eram servidas nas viagens a São Carlos.