Ao falar sobre as dores vividas é possível reorganizar sentimentos. Com isso, a pessoa consegue superar um trauma. Em um estudo realizado pelo psicólogo Julio Peres, tema de doutorado de Peres em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, o objetivo da pesquisa foi mostrar que a conversa modifica o funcionamento do cérebro, realizado com 16 pacientes que sofreram estresse pós-traumático parcial. Os pacientes passaram por oito sessões de psicoterapia. No estudo, os sujeitos relataram o momento traumático várias vezes. Em seguida, foram convidados a relembrar situações difíceis que viveram e a sensação positiva que tiveram ao superar o problema. Exames de tomografia ao final do tratamento revelaram que o funcionamento cerebral é modificado com a narração. Os resultados demonstram que, quem passou pela psicoterapia apresentou maior atividade no córtex pré-frontal, que está envolvido com a classificação e a ‘rotulagem’ da experiência. Na ocasião se constatou que, a atividade da amígdala, que está relacionada à expressão do medo, foi menos intensa. Isso comprova que, ao falar sobre o problema, a pessoa consegue superar o trauma controlando a memória da dor que sofreu.
No estudo foi mensurado, através do questionário aplicado nos sujeitos da pesquisa, estabelecendo as modalidades sensoriais (o rosto do ladrão, o cheiro da gasolina, o barulho da freada do carro) que permaneceram na mente dos indivíduos. Antes da psicoterapia, essas sensações estavam acentuadas. Depois das sessões foi constatado que o valor sensorial das memórias traumáticas diminuiu. Por outro lado, aumentou o valor narrativo, junto com a atividade do córtex pré-frontal. Significa que, à medida que a narração do evento aumenta, as respostas emocionais e as sensações são suavizadas.
O sujeito em psicoterapia muda o funcionamento cerebral. A maneira como o cérebro processa as informações muda. No Brasil, ainda é difícil, os profissionais que trabalham com psicoterapias, poucos estudam seus pacientes com métodos neurofuncionais, não trabalham neste contexto.
Os traumas são eventos que as pessoas passaram, como: perda de entes queridos, acidentes, separação, abuso sexual, assalto, sequestro, entre outros. É comum ver a pessoa traumatizada se isolar. Não consegue verbalizar o evento, não compartilha suas histórias e por isso fica com as memórias traumáticas fragmentadas. Medo, sensações dispersas, sem atribuição de um significado para o que aconteceu. Quando ela constrói esse significado, tem a possibilidade de reconstruir o momento trágico, trazendo um aprendizado daquele evento aliviando a dor.
Ao contrário do que os traumatizados pensam relembrar, a situação traumática não piora. Para o sujeito lembrar outra vez da dor é como se voltasse ao horror experimentado. Mas, se ele não falar sobre sua memória, não consegue dar significado e entender o acontecimento. Falar modifica a interpretação. É essencial para superar um trauma conversar com pessoas de confiança: amigos, familiares, alguém vinculado a sua crença religiosa. O mais importante é que possa de fato compartilhar. Não é falar para qualquer um, deve ser alguém que tende a acolher, outra opção é escrever sobre. Estudos demonstram que a pessoa se beneficia superando o trauma.
Para não ficar preso às lembranças de uma tragédia é importante criar novos objetivos. Sentimentos positivos, como o altruísmo, ajudam a pessoa a melhorar rapidamente em vez de sucumbir ao trauma. É essencial não se sentir enfraquecido, incapaz perante o que viveu. E o trauma está muito ligado à incapacidade. Por exemplo, num acidente de carro, a pessoa pensa: “Eu não pude controlar o carro e fiquei preso nas ferragens”. O trauma pode marcar o indivíduo nesse sentido. Ele se sente sem condições de superá-lo. Quem cria uma aliança positiva com aquele momento sai mais facilmente da dificuldade.
Outra tendência dos traumatizados é querer pagar na mesma moeda. Com pensamentos do tipo: “Mataram minha mulher e agora vou matar cada um desses caras”. Quando existe o sentimento de vingança, a repetição do ciclo traumático não acaba. Não resolve o problema e os traumas vão aumentando.
O trauma pode se estabelecer de duas maneiras. Uma é a hiperestimulação, que envolve o sistema simpático, relacionado à adrenalina. O indivíduo fica em alerta, irritado, com insônia, pensamentos intrusivos. O outro lado é a dissociação, que envolve o sistema parassimpático e a endorfina. É também uma estratégia de adaptação, de sobrevivência ao evento. Um anestesiamento. Acontece especialmente com crianças que sofreram abuso sexual, porque geralmente o agressor está em casa. E diante disso ela não pode fugir. Ela dissocia, como se não estivesse acontecendo nada. Só que as consequências dessa dissociação são gravíssimas. Em geral, viram adultos que não conseguem estabelecer vínculos afetivos.
O tempo que leva para superar um trauma depende de cada pessoa, do processamento interno em relação ao ocorrido. Em psicoterapia breve, estima doze sessões de terapia, com duração de uma hora, tempo suficiente para modificar as respostas emocionais e ficar mais equilibrados psicologicamente. Após as sessões, através de exames de tomografia é possível observar mudanças nas seguintes regiões do cérebro: Maior atividade no córtex pré-frontal. Ele está envolvido na classificação das experiências. Menor atividade na amígdala. Ela está relacionada à expressão do medo.
Por: Neuropsicóloga Ivone Lúcia Brito
Fonte: Revista Época, janeiro/2008