Imagine uma empresa de transportes na qual o motorista parte com uma carga e tem a segurança de outro carregamento após a descarga, com uma simples ligação telefônica. As cartas frete e o dinheiro transportado na cabine também pertencem ao passado. Ao motorista é dada apenas a função de conduzir o caminhão, respeitando seus intervalos de descanso, conforme prevê a legislação trabalhista. Embora pareça utopia, esta empresa existe e é uma cooperativa de transportes de carga, onde todos os cooperados são proprietários e crescem juntos. Trata-se da Cooperativa de Transportes do Vale do Taquari, a Vale Log, uma das maiores cooperativas de transporte do país, com 140 cooperados e 182 caminhões. Com um faturamento superior a R$ 60 milhões por ano, a Vale Log é um bom exemplo quando se fala em união de esforços e desenvolvimento.
Valmir Faé, de Serafina Correa, atua no ramo de transportes há mais de três décadas. Há cerca de seis anos foi convidado a integrar a Vale Log. Mal sabia ele que o convite daria outro rumo para o negócio que a família administra há mais de 40 anos. “Se não fosse a Vale Log estaria fora do ramo de transportes. Teria desistido, ido para outro negócio. As dificuldades do mercado e com os motoristas são muito grandes”, afirma Faé.
Com uma frota de 11 veículos – carretas e bitrens graneleiros – não pensa em outro modelo de trabalho a não ser o cooperativo. E a explicação é simples: praticidade no trabalho e maior rentabilidade. Hoje os motoristas não precisam andar portando carta frete ou dinheiro. Saem do local de descarga e já sabem onde outra carga os espera. E tudo isso sem o custo de um atravessador, que leva parte do valor do frete e reduz o lucro.
As cargas são agenciadas pela própria cooperativa. Uma central de logística administra os fretes dos 182 veículos cooperados, o que facilita consideravelmente o trabalho de quem está na boleia. Na maioria das empresas privadas cabe ao transportador a busca por um novo frete, o que nem sempre é fácil de se conseguir com rapidez e sem o auxílio de um agenciador. A organização logística traz inúmeros benefícios ao motorista e, principalmente, para o proprietário, já que caminhão só dá lucro se está rodando.
André Leandro Schneider, morador de Lajeado e que é um dos sócios-fundadores da cooperativa, que o diga. Antes da Vale Log já era proprietário do seu caminhão. Na verdade, era dono em partes. “Eu tinha um caminhão há dois anos e meio e devia tudo. Hoje já troquei de caminhão e está tudo pago. Trabalhar em cooperativa é uma tranquilidade, preocupação zero. Antes eu chegava num lugar e já começava a me preocupar para conseguir outro frete. Hoje não tenho nem a metade do estresse que tinha”.
Além das facilidades no dia a dia, André salienta outras vantagens. O tempo que passa fora de casa reduziu consideravelmente, ampliando o convívio com a família e os momentos de lazer. Para quem já ficou 30 dias sem ver as filhas, estar em casa praticamente todo final de semana é uma bênção. Mesmo na estrada, sabe que não está sozinho. Tem o respaldo e a companhia dos colegas de cooperativa que se encontram estrada afora. “Trabalhamos unidos, dificilmente um está sozinho. Isso diminui muito a solidão da profissão”, afirma.
A redução no tempo que os motoristas ficam longe de casa é um dos fatores que pesam a favor naquela que hoje é a maior dificuldade do empresário do setor de transportes: a mão de obra. A escassez é tanta que impede a ampliação das empresas. Valmir, por exemplo, diz que poderia triplicar o número de caminhões se tivesse mão de obra qualificada. Mas tem esperança de que as mudanças no mercado abram novos caminhos e apontem o setor de transportes como boa opção de trabalho.
O poder de barganha que vem da união
Do sucesso de várias cooperativas de transporte espalhadas pelo Brasil nasceu em janeiro de 2011 a Rede Transporte, que é a primeira Cooperativa Central do segmento cargas do país. Trata-se de uma central que atua no setor de compras, legislação e tributação e que atualmente agrega 14 cooperativas de transportes localizadas no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Paraíba.
Com 8.671 veículos associados, de cooperativas de transporte de cargas e de transportes de passageiros, as compras são feitas em grande escala, garantindo um custo bem mais acessível.
Desde 2012 todas as negociações de compra para o grupo partem de Arroio do Meio, já que a Rede migrou sua sede para uma sala da Vale Log. As transações são gerenciadas por Aline Ana Possamai, que conta com o respaldo e o conhecimento de Adelar que além de presidir a Vale Log é diretor da região Sul da Rede Transporte e primeiro suplente da diretoria da Ocergs – Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Rio Grande do Sul.
Melhores resultados para todos
Se a tranquilidade do motorista já é um bom motivo para se trabalhar em cooperativa, é preciso dizer que os benefícios não param por aí. Além do respaldo da central de logística, os cooperados conseguem baratear consideravelmente os custos da frota. Todas as compras são feitas através da Rede Transporte, uma espécie de central que agrega 14 cooperativas de transporte do Brasil. Como o número de veículos associados é expressivo – 8671 – o poder de barganha é muito maior. Assim, os 140 cooperados da Vale Log – 137 do Rio Grande do Sul e três do Paraná – trocam pneus, fazem seguro e abastecem com um custo reduzido.
Como a Rede Transporte negocia diretamente com a distribuidora, só no óleo diesel a economia pode chegar a 20 centavos por litro para o associado, mais um ganho de até 16 centavos para a cooperativa. Isso significa que os cooperados da Vale Log embolsaram R$ 1,24 milhão a mais em 2014, valor da economia feita com os 3,87 milhões de litros abastecidos na cooperativa.
E era justamente a economia e as facilidades os objetivos iniciais da cooperativa. O sócio-fundador, presidente e diretor comercial Adelar Steffler, diz que o propósito sempre foi conseguir melhores resultados para todos. “Na época (antes da fundação) trabalhávamos como terceirizados e hoje somos donos do nosso negócio. A negociação é entre a cooperativa e o cliente, sem o intermediador. Hoje tem frete certo. Ninguém perde tempo. É mais agilidade com menos gastos. Temos muitos associados que eram motoristas e hoje são donos do seu caminhão. Eles têm a segurança de que vão ter frete para pagar o investimento”, frisa Steffler.
Se no início a Vale Log era pequena – começou com 24 cooperados, num total de 36 caminhões – na atualidade os números comprovam sua grandeza e rápida ascensão. No ano passado o faturamento ultrapassou os R$ 64 milhões, dos quais R$ 51 milhões foram só em frete. O valor supera o orçamento de Arroio do Meio para 2015, que deve chegar a R$ 52 milhões. Um salto gigante para uma empresa que está no mercado há apenas oito anos.
Em faturamento, a Vale Log ocupa desde 2011 o posto de maior cooperativa de transportes do Estado e figura entre as cinco maiores do país. Os números também refletem na economia do município. No ano passado a cooperativa alcançou a colocação de 10ª maior empresa no Valor Adicionado Fiscal, ano base 2013. Feito que deve se repetir neste ano.
Para administrar a frota e manter a estrutura em funcionamento, a cooperativa emprega 15 funcionários e retém 2% sobre o valor do frete. O percentual é considerado ínfimo, se levadas em consideração as margens cobradas por agenciadores de cargas, que variam de 12% a 20%. E como o sistema cooperativo não visa o lucro de um, e sim o crescimento do grupo, todos são donos do negócio e respeitam suas regras. A união em torno da sustentabilidade da cooperativa como um negócio é tamanha, que a Vale Log é a primeira do país a trabalhar com o regime de unimilitância. Na prática, significa que todo cooperado trabalha unicamente com a Vale Log e é registrado no sistema CTC – Cooperativa de Transporte de Carga.
Estrutura e benefícios
A Cooperativa de Transportes do Vale do Taquari surgiu como uma alternativa ao modelo de transporte praticado pela maioria das empresas. Cansados dos altos custos e da instabilidade da categoria, 24 motoristas e proprietários de caminhão fundaram a Vale Log em 17 de novembro de 2007. Davam sequência à associação de transportadores fundada no ano anterior. As operações da Vale Log iniciaram somente em 2008, quando toda documentação estava liberada.
No primeiro ano de atividades o faturamento não chegou a R$ 1 milhão, mas três anos mais tarde se tornaria a maior cooperativa de transportes do Estado em faturamento.
O maior salto se deu em 2013, quando foi inaugurada a sede própria. Situada na ERS -130, ao centro de duas outras grandes empresas de Arroio do Meio – a Vonpar Alimentos e a Bremil – a área possui 30 mil metros quadrados. Só de escritório são 870 metros quadrados de construção, além de um amplo pátio para estacionamento dos caminhões. Na sede também há um posto, com média de abastecimento mensal de 440 mil litros de óleo diesel e de nove a 10 mil litros de aditivo Arla 32.
Para melhorar ainda mais o atendimento, a Vale Log prospecta investimentos na estrutura. A ideia é ter borracharia própria, já que por mês são comercializados em torno de 120 pneus, rampa de lavagem e uma oficina. Assim, os serviços básicos que hoje são terceirizados poderão ser realizados na própria empresa, barateando ainda mais os custos.
E as novidades não param por aí. Em 2016 a Vale Log vai fixar sua marca e seu trabalho para além das fronteiras do Estado. A primeira filial será instalada no Paraná, como um ponto de apoio, principalmente para o abastecimento dos caminhões. Conforme o presidente Adelar, a instalação é estratégica, já que o motorista poderá abastecer duas vezes naquele posto, uma na subida e outra na descida. Com isso, o volume de diesel adquirido com desconto será muito maior, aumentando a lucratividade do associado.
A segunda filial será instalada no Mato Grosso do Sul, nos mesmos moldes da paranaense.
O que a Vale Log transporta
Além do RS, as operações da cooperativa se dão em Santa Catarina, Paraná, Minas Gerais, Distrito Federal, Tocantins, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Os maiores clientes são BRF, Bunge, BSBios, Cosuel, Cristal Alimentos, Agrogen, Languiru, ADM, Seara, Brazeiro Sementes, entre outros.
Grãos, fertilizantes e sementes são os principais produtos transportados. Mas, mais do que cargas, a Vale Log transporta a esperança de que a união pode trazer uma série de mudanças positivas gerando desenvolvimento financeiro e social para quem acredita no trabalho cooperado.