No intuito de retardar o cumprimento da penalidade aplicada e continuar dirigindo, condutores entram com recurso na esfera administrativa ou judicial. A prática permite que infratores continuem dirigindo, mesmo com a CNH suspensa ou cassada.
Nos últimos sete anos 694 motoristas tiveram instaurado processo de suspensão ou cassação da CNH por irregularidade cometida na direção de veículos nos cinco municípios da microrregião – Arroio do Meio, Capitão, Marques de Souza, Pouso Novo e Travesseiro. Foram 92 processos relativos à cassação e 602 por suspensões do direito de dirigir.
Disputar corrida (racha), transitar em velocidade superior a máxima permitida para a via em mais de 50%, dirigir sob influência de álcool ou de qualquer substância psicoativa que gere dependência e somar 20 pontos no prontuário do condutor em 12 meses, são as infrações responsáveis pelas suspensões nos cinco municípios. Já as cassações são referentes ao artigo 263 do Código de Trânsito Brasileiro, inciso I, que é quando o condutor é flagrado dirigindo com o direito de conduzir suspenso, e ao inciso III, que remete a outros artigos do CTB.
Dos 92 processos de cassação instaurados, somente 42 condutores tiveram efetivamente a perda da Carteira Nacional de Habilitação pelo prazo de dois anos. E dos 602 processos de suspensão só 49 cumprem a pena. Do total de processos, não se pode precisar quantos foram julgados, pois muitos condutores entram com recurso na esfera administrativa e judicial na tentativa de retardar a penalidade ou, até mesmo extingui-la, o que pode se arrastar por anos.
Para retardar o cumprimento da penalidade aplicada pelo órgão autuador e continuar dirigindo, alguns condutores recorrem às duas esferas. O recurso na esfera administrativa pode levar meses para ser julgado, já na judicial deve ser auxiliado por um advogado e o trâmite pode levar anos. Nesse caso o advogado entra com uma liminar para que o condutor com CNH cassada ou suspensa possa continuar dirigindo.
Para tentar driblar a legislação muitos condutores que atingem 20 pontos no prontuário do condutor e tem a CNH suspensa, entram com recurso na esfera administrativa. Ocorre que a pontuação é zerada após um ano da entrada no sistema informatizado do Detran e, com isso, o condutor ganha tempo, já que a pontuação continua correndo, mesmo com o processo em andamento.
Só em Arroio do Meio foram 70 processos de cassação da CNH e 456 processos de suspensão do direito de dirigir. Contudo, o número de CNHs cassadas efetivamente é inferior à metade, apenas 30. Já os condutores penalizados com a suspensão do direito de dirigir totalizaram 39. Eles tiveram que frequentar curso de reciclagem e serem aprovados em prova de legislação para voltarem a dirigir.
Direito de se defender
O Capitão Eduardo Senter que responde pela Brigada Militar de Arroio do Meio diz que a corporação está fazendo um trabalho focado na fiscalização. Quanto aos condutores que recorrem à esfera administrativa e judicial para continuar dirigindo, comenta que o cidadão tem o direito de recorrer à justiça quando sentir-se lesado ou injustiçado. “Esse condutor que recorre à justiça tem todo o direito de se defender. Mas se ele oferecer conduta perigosa ou continuar desobedecendo as regras, mais dia menos dia ele vai ser pego novamente, e aí vai piorar a situação dele”, afirma.
Senter diz que o objetivo da Brigada Militar, entre outras atribuições, é zelar pela segurança da sociedade retirando das ruas condutores que ofereçam perigo. “O nosso objetivo é cessar a irregularidade naquele momento, a esfera administrativa e judicial é outra coisa”, comentou.
Brechas na legislação beneficiam o condutor
O advogado Cristian Eduardo da Costa, especialista na área do trânsito e criminal comenta que na esfera administrativa o condutor pode interpelar recurso primeiramente na Junta Administrativa de Recursos e Infrações (Jari). Caso não tenha êxito, o recurso pode ser encaminhado junto ao Conselho Estadual de Trânsito (Cetran) e ainda ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Sem êxito, o condutor pode ainda recorrer à esfera judicial. Nesse caso é necessário um profissional da área do Direito que representará o mesmo. “A condenação na esfera administrativa é mera fase, o que vai decidir é a esfera judicial”, comentou o advogado.
Cristian explica que brechas na legislação podem favorecer o motorista. Ele cita dois pontos importantes que podem ser usados judicialmente em favor do condutor flagrado sob influência de álcool, por exemplo. “O bafômetro não é calibrado conforme regra do Inmetro, o que gera margem para recurso. Outro ponto importante: a lei diz que deve haver o intervalo de 15 minutos entre uma utilização e outra do aparelho o que, na maioria das vezes, não acontece. Resquícios de álcool podem ficar no aparelho caso o intervalo seja menor, por isso cabe recurso”, comenta.
Diferença entre suspensão e cassação
É importante diferenciar a suspensão e a cassação da CNH. No primeiro caso, o Código de Trânsito Brasileiro prevê que o documento fique suspenso de um a 12 meses, sendo necessário cursar aulas de reciclagem e passar por uma prova de legislação para reativar a carteira no sistema informatizado. Dirigir sob influência de álcool, acima da velocidade permitida para a via em mais de 50%, são alguns exemplos de suspensão do direito de dirigir.
Já o condutor com carteira cassada precisa esperar dois anos para dar início a todo o processo de habilitação desde o princípio. Para isso, deve realizar exame médico e psicotécnico, aulas e provas teóricas e práticas de direção. É como se nunca tivesse sido condutor anteriormente.
A penalidade de suspensão do direito de dirigir está prevista no art. 256, inciso III do Código de Trânsito Brasileiro. Uma vez instaurado o processo, o condutor infrator será notificado para que apresente defesa junto ao Detran/RS no prazo de 15 dias. Caso seja imposta penalidade ao condutor, este poderá apresentar recurso à Jari no prazo de 30 dias e, em 2ª instância, ao Cetran/RS, também no prazo de 30 dias, no caso de indeferimento de seu recurso em 1ª instância.
Esgotadas as fases de defesa e de recursos, o condutor será notificado de que deverá entregar sua CNH em qualquer Centro de Formação de Condutores (CFC) do Estado do Rio Grande do Sul, para dar início ao cumprimento da penalidade aplicada. Após o cumprimento da penalidade, fica normalizada a situação do condutor.
Carteira Nacional de Habilitação provisória
Depois de ser aprovado nos exames e provas práticas e teóricas o condutor recebe a CNH provisória pelo período de um ano. Nesse tempo ele não pode ser multado em infrações gravíssimas, graves, nem ser reincidente em infrações médias sob pena da perda da carteira de motorista. Por isso, alguns condutores multados recorrem à esfera administrativa para não perder o direito de dirigir ou simplesmente passam os pontos para CNHs de parentes e amigos. Ocorre que a pontuação referente a multa imposta pelo órgão autuador é extinta após um ano da entrada no sistema informatizado, e não é interrompida durante o processo, o que pode beneficiar o condutor que recebe a CNH definitiva caso a multa não seja julgada no período.