Eu não convivia com rio ou enchente até mudar para Arroio do Meio, aos seis anos de idade. Águas eram escassas onde a família morava. Assim como eram escassas as viagens “lá pra fora”, lugar meio indefinido, ao qual se chegava por estradas precárias e cruzando de barca os rios do caminho. Viajar “lá pra fora” estava reservado para os grandes. Só eles sabiam de fato o que eram os rios.
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A impressão que o rio Taquari deixou na criança que eu fui pode ser explicada como uma mistura de admiração e temor. Foi rápido concluir que o rio era um mistério.
Naquelas águas dava para aliviar o verão de um jeito espantoso para quem jamais conhecera piscina. Ali, nos cascalhos da margem, a gente podia inventar brincadeiras ainda não inventadas. Mas não era só isso. Esse mesmo rio propiciava a água encanada – que pela primeira vez havia dentro de casa – e também vinham dali uns pintados roliços, de cujo sabor me ficou um rastro de saudade na boca.
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E aí chegou um ano de enchente. Todos diziam que não era das grandes. A mim parecia um dilúvio de águas. Que impressão poderosa resultava da massa veloz carregando galhos e troncos e que entrava nas casas sem respeitar porta e cadeado!
Que coisa era aquela que ninguém podia atacar nem conter? Que monstro que o rio se tornava assim de repente! Lembro de alguém ouvir um boi que mugia na correnteza. Outro vira um telhado nadando sozinho. Alguém tentara alcançar a gaiola de várias galinhas. O que era essa força maior do que todos?
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Recordo de uma enchente que amei (me perdoem aí os flagelados de então). Já era adolescente, na altura. A enchente cancelou as aulas, dispensou de fazer a lição, aboliu as provas e os prazos marcados. O que podia ser melhor que isso nos verdes anos da vida? O quê?
Ah! Tinha algo ainda melhor.
As turmas da escola saíam em bandos para olhar o movimento das águas. Como era de praxe, os rapazes num grupo, as gurias, em outro. Mas o entrevero das voltas permitia olhares furtivos, deixava trocar comentários e, às vezes, até caminhar ao lado de um guri singular.
Ah! A gente sentia uma total gratidão pela enchente! Bendita a água que trazia chance tão rara e abria o caudal dos sonhos ocultos! A enchente puxava a cortina e deixava entrever um mundo ignorado.
Sim, senhor! Para além do rio misterioso, havia outros mistérios. Havia outras águas que igualmente chegavam com força, invadiam, carregavam, venciam, levavam ninguém sabia para onde…