Vivemos numa região privilegiada, comparada a muitas outras, em termos culturais, saúde pública, economia, o que significa basicamente que as pessoas que aqui vivem, têm emprego, são autônomas, têm pequenos empreendimentos, prestam serviços em diferentes áreas, o que lhes dá a liberdade de consumir bens e serviços. Nem sempre foi assim. Lembro que a partir da década de 1980, quando comecei a trabalhar aqui no jornal, as políticas públicas, aliadas ao espírito empreendedor de empresários ou então pelo espírito associativo e cooperativista, começaram a ser implementadas com investimentos em empresas para gerar emprego e renda. Ouvia seguidamente do então prefeito João Gasparotto, que era preciso oferecer meios para que as pessoas pudessem ter seus salários e com a renda, autonomia e liberdade individual, estudar, comprar sua moto, seu terreno, construir sua casa, comprar eletrodomésticos, roupas e sapatos, viajar… O mesmo pensamento era compartilhado por empresários que tinham suas ambições pessoais e outros líderes que deram uma base para que, aos poucos, se transformasse uma realidade praticamente rural, para uma vida mais urbana. De lá para cá muita coisa mudou. Foram nascendo bairros, loteamentos e ampliada a zona urbana. Para acomodar a nova estrutura social foram construídas escolas, creches, ginásios esportivos, estradas, parques, praças. Com dinheiro público, mas também apoio de associações e entidades comunitárias que ofereceram seu espírito e ação voluntária para o desenvolvimento dos municípios. A liberdade religiosa fez com que se instalassem várias igrejas e elas, ao seu modo, contribuíram para dar o necessário alento espiritual, testemunhar a fé.
Durante esses mais de 40 anos houve muitas crises, alheias à vontade da maioria. Pequenos agricultores brigaram por melhores condições e preços aos produtos, se profissionalizaram, se aposentaram mais cedo. Empresas quebraram, centenas perderam seus empregos, principalmente no ramo calçadista, na maioria dos casos, por mudanças de políticas econômicas na conjuntura nacional e internacional. Mas vieram outras. Em termos locais, (Arroio do Meio) para diminuir os impactos da política externa e interna, adotou um modelo de economia diversificada para reduzir os problemas sociais como o desemprego. A economia diversificada, o atendimento público a demandas sociais mais pontuais, em diferentes momentos, a capacidade de organização, consciência pautada em valores positivos e virtuosos por parte da grande maioria das nossas famílias, foram fundamentais para que as crises fossem superadas no menor tempo possível. Acolhemos muitas pessoas de fora que vieram em busca de oportunidades e empregos. A prática usual, de transparência em relação a gastos públicos por parte dos que estiveram no Executivo e Legislativo, dos recursos federais, estaduais e municipais direcionando investimentos em educação, saúde, urbanização, infraestrutura, agricultura, suinocultura, avicultura, bovinoultura, nortearam nossos municípios no Vale do Taquari. Notadamente, sempre trabalhamos e nos motivamos por valores familiares, comunitários de cooperação mútua, considerando a liberdade como valor individual a serviço do bem coletivo.
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Desde o ano passado estamos em um a crise que não havíamos vivenciado nem imaginado que poderíamos enfrentar. Uma crise sanitária a partir da proliferação do coronavírus, que foi detectado pela primeira vez na China ainda em 2019 e que se espalhou rapidamente pelo mundo a partir de 2020, associado a variantes já ceifou a vida de milhões de pessoas no mundo. É impossível dimensionar as consequências desta pandemia num curto prazo e elas não podem ser limitadas apenas ao grande número de mortes. A pandemia, que ainda não tem data para acabar, desafia a própria ciência e, no decorrer do tempo, certamente poderemos entender melhor o que aconteceu.
Em cada vida perdida, entender as circunstâncias em que ela contraiu a doença, como cada vítima recebeu tratamento, o que poderia ter salvado a vida, o que fez que alguns se salvassem e outros não, como cada organismo reage e cria sua imunidade, são alguns dos questionamentos que povoam nossa mente.
Não podemos esquecer que cada vida tinha uma história e foi perdida de forma prematura, para um inimigo invisível. Além de tirar a vida de tantas pessoas de forma inesperada, também deixa marcas profundas nas famílias e nos círculos sociais de convivência.
Além dos dramas e tragédias pessoais, preocupam as consequências que estão sendo irradiadas pelo vírus de forma indireta. Crianças e jovens muito tempo longe do convívio escolar. Pais estressados, sobrecarregados para dar conta das tarefas no trabalho e em casa. Ou pior, simplesmente desempregados. O aumento da violência doméstica. A dificuldade e falta de preparo em se adaptar a novas formas de vida, com menos contato social. A dependência excessiva de redes e plataformas digitais. Profissionais da saúde têm relatado que aumentou o número de casos de problemas e distúrbios emocionais e psicológicos, com consequências para doenças físicas. Entre as causas, o medo de adoecer, de perder emprego, de ter que fechar a empresa, a ausência de convívio social, esportivo, com amigos, familiares e por aí vai…
Mas além da luta pessoal de cada um na sua família, ambiente escolar, profissional para enfrentar e superar esta crise, o que preocupa, frustra, desaponta é a falta de ética, de espírito público, de empatia e consideração pelo povo que vem de representantes das altas instâncias. Incessantemente são tomadas decisões por parte de privilegiados em gabinetes jurídicos e políticos que não têm coragem de caminhar normalmente pela rua. Passam por cima da Constituição e ignoram a vontade e bem-estar da maioria, para se manter no poder.