Um fato que gerou debate e polêmicas na semana passada, e ainda repercute pela possibilidade de abrir outros precedentes e consequências, foi o mandado de prisão expedido pelo ministro do STF, Alexandre de Morais, contra o deputado federal Daniel Silveira (PSL – RJ) e cumprido pela Polícia Federal. O deputado federal, divulgou um vídeo, onde criticou, fez acusações e xingou integrantes da Corte, suscitando a volta do AI-5. A publicação do vídeo, com ofensas de baixo calão e que levou Silveira à prisão, foi divulgada após o ministro Fachin classificar como “intolerável e inaceitável qualquer forma de Poder sobre o Judiciário. ”
A detenção foi determinada no âmbito do inquérito sigiloso que apura ameaças, ofensas e fakenews que são feitas contra ministros do Supremo ou familiares.
Um dia depois, a determinação do ministro Alexandre de Morais foi confirmada por votação unânime por parte dos 11 ministros da Corte, demonstrando unidade na defesa do Tribunal. O presidente do STF, Luiz Fux discursou que: “compete ao Supremo Tribunal Federal, zelar pela higidez do funcionamento das instituições brasileiras, promovendo a estabilidade democrática, estimulando a construção de uma visão republicana do país e buscando incansavelmente a harmonia entre os Poderes.”
Pela Constituição, parlamentares são “invioláveis, civil e penalmente, por opiniões, palavras e votos,” e assim não poderiam ser detidos no exercício da função, com exceção para crimes inafiançáveis, mas Morais considerou no seu mandado que o vídeo por circular de forma permanente configuraria “flagrante de crime inafiançável. ”
Polêmico, longe de ser considerado de conduta ilibada, a prisão de Daniel Silveira foi votada na sexta-feira da semana passada na Câmara Federal. Foram 364 votos a favor da prisão, 130 contrários e três abstenções.
Entre os que votaram contra a sua prisão, um dos argumentos mais recorrentes como o de Marcel Van Hatten (Novo-RS) é de que esta decisão deveria ter iniciado no Conselho de Ética da Câmara, criticando a ingerência de poderes. Na mesma linha, o deputado federal Jerônimo Goergen também lamentou que enquanto o país tem tantos problemas sociais e econômicos para resolver tenha que se debruçar sobre a prisão de um deputado. Ele votou contra a prisão e defendeu o cumprimento da Constituição Federal, e que o trâmite legal seria pelo Conselho de Ética e Justiça da Câmara, lembrando ainda de casos bem mais graves como da deputada Flordelis, acusada de estar envolvida no assassinato do marido.
RESPEITO ÀS INSTITUIÇÕES E PRISÃO ILEGAL
Ouvido pelo AT para falar sobre o tema, o advogado Leandro Toson Caser disse que o vídeo gravado pelo deputado é grave, expõe uma série de crimes e, além de tudo, é de uma grande falta de respeito. “Os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, embora não sejam perfeitos são dotados de uma autoridade. Temos meios de combater o que entendemos ser arbitrário? Sim. Mas estes meios devem ser democráticos”. Em relação ao mandado de prisão em flagrante expedido pelo ministro Alexandre de Morais, o advogado Leandro Caser considera a prisão ilegal, posto que segundo a sua fundamentação, o vídeo estando em circulação torna o crime ali realizado, um crime permanente, o que a grosso modo, autoriza a decretação de prisão nesta modalidade. “Ocorre que pelos meus estudos, me parece que a circulação de um vídeo, (embora haja crimes sendo realizados ali) não está prevista no nosso sistema penal, na sua própria natureza, como um crime permanente. Dizer que os crimes do deputado, ao gravar e colocar um vídeo em circulação e em função disto, o ministro caracterizar como estado de flagrância, é perigoso e grave. Abre um precedente para o nosso sistema jurídico e faz com que a prisão, da forma como foi feita seja uma prisão ilegal.” Para Caser, existem outras modalidades de prisão que poderiam ser utilizadas no caso concreto. “Ocorre que, em se tratando de deputado que goza de certas prerrogativas, garantias que tem como objetivo resguardar a independência durante o exercício de suas funções, evitando assim, perseguição política, processos infundados com o intuito de atrapalhar a independência do legislador, por exemplo.” Por estes motivos, segundo o advogado Caser, os parlamentares têm foro privilegiado e também só podem ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. “A intenção do Ministro, certamente foi cessar a atuação criminosa do deputado, no entanto a forma como fez, está em descompasso com o mais acertado uso, do Direito Penal e Processual Penal, ” conclui.
AUTONOMIA DE PODERES E LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Para o advogado Fabio Gisch, especialista em Direito Eleitoral, o tema abordado gera muita divergência em relação à pluralidade de opiniões e a forma como o assunto foi tratado. “Discorrer sobre, é de uma responsabilidade imensa, tendo em vista que, esta é apenas a ponta do iceberg. Existe um emaranhado do qual a maioria de nós ainda não possui conhecimento.
Não me cabe analisar os motivos que levaram a prisão do deputado Daniel Silveira, mas sim, a sequência dos atos praticados.
Evidente, a ilegalidade em relação à série de problemas jurídicos na decisão e nos atos da prisão do deputado, determinada pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal – STF, Alexandre de Morais.
Avaliando o contexto em que ocorreu a decretação da prisão e considerando que no Brasil, não existe crime de opinião; não existe crime de discurso de ódio; não existe crime de atentado contra atos democráticos; não existe prisão no interior do imóvel à noite; não existe expedição de mandado para crimes em flagrante; também não existe prisão de deputado federal sem autorização da Câmara, a não ser em flagrante delito de crime inafiançável, razão pela qual a referida decisão beira ao inaceitável”.
Segundo Gisch, a decisão proferida pelo Ministro do STF, abrirá outros precedentes, bem como interferirá claramente na autonomia dos poderes e na liberdade de expressão.
“Decisões que contrariam o que foi mencionado, nos levam a crer que o Supremo Tribunal Federal esteja julgando fora dos paradigmas da Constituição e da lei, o que causa preocupação, uma vez que estes poderão julgar como melhor lhes convier, de acordo com os seus interesses, gerando instabilidade, aumentando a descrença na Justiça, ” finaliza o advogado.
DECISÃO JURÍDICA E NÃO POLÍTICA
Para o advogado Alex Theves, a prisão do deputado Daniel Silveira ocorrida na semana passada e que ainda se encontra detido, ocorre por uma ingerência entre os poderes. Por vezes o Legislativo provoca o Judiciário, para decidir assuntos internos da Casa. O Judiciário, em outros momentos, parece ser o Executivo e outras o Legislativo.
Sobre a prisão, Theves considera que, a imunidade parlamentar não é absoluta e só poder ser invocada quando o deputado ou senador estiver no exercício do mandato ou se manifestando em razão dele. Há decisão do STF afirmando que tal imunidade, não poder ser suscitada no caso “hates crimes”- crimes de ódio.
“No caso do não reconhecimento da imunidade parlamentar, esta usada como parâmetro pelo Ministro Morais, deve-se dirigir à Lei 7.170/83, nos artigos 17,18, 22, 23 e 26. O próprio STF já decidiu que crimes da Lei 7.170 somente se caracterizam se houver dolo específico (motivação política e lesão real, ou potencial a certos bens jurídicos). No caso cabe mencionar que o artigo 26 da Lei 7.170, preconiza o crime de calúnia dirigido ao presidente de STF.” Ainda segundo o advogado, a prisão do deputado não poderia ser enquadrada como inafiançável porque após a diplomação, o parlamentar só pode ser preso em caso de flagrante de crime inafiançável: racismo, crimes hediondos, e equiparados à ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Para Theves, o vídeo em questão não pode ser considerado flagrante, já que, depois de postado, em qualquer sítio eletrônico, será replicado muitas vezes, mesmo depois do apelo do deputado para cessar os compartilhamentos. “Entendo que o flagrante do vídeo, deveria ter sido dado no momento da gravação, ou em caso de live, (artigo 302,I e II CPP. Mas de modo diferente do que penso, o Ministro do STF embasou sua decisão de que o vídeo enquanto circulando, caracteriza como crime permanente. Enfim, entendo que a prisão teve conotação política. Assistimos diversos discursos inflamados, cards agressivos e vídeos de deputados de outra ideologia partidária, (inclusive ao deputado). Basta lembrar que o ex-presidente chamou a suprema Corte de acovardada. Themis a deusa da Justiça, não pode ser prostituída de acordo com as convicções ideológicas e sim ser clamada todas as vezes em que houver necessidade, independente de posição social, política e religiosa. ”