“Nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”. A frase foi eternizada em uma canção de Lulu Santos, mas retrata bem as mudanças que a pandemia do novo coronavírus têm provocado no mundo todo. Tudo está diferente e há quem diga que aquele “normal” pré-pandemia dificilmente retorne. Até a prática da fé, teve de ser alterada. A imagem de igrejas lotadas ficou na lembrança e ainda deve demorar para que os fiéis possam se aglomerar com segurança.
A realização de celebrações religiosas é permitida em bandeira laranja e amarela, desde que se respeite os protocolos de distanciamento e higienização e a redução no número de participantes, com até 25% da lotação. Contudo, mesmo com a permissão há igrejas que entendem que ainda não é o momento de voltar com as atividades presenciais que possam gerar aglomeração e expor pessoas ao risco do contágio do coronavírus.
Sem missas, mas usando a tecnologia
Em Arroio do Meio, a Paróquia Nossa Senhora do Perpétuo Socorro suspendeu todas as celebrações presenciais ainda na segunda quinzena de março e não tem data para retomar. O pároco Alfonso Antoni diz que a maioria das pessoas compreende e apoia a decisão da igreja, de assim colaborar com o distanciamento social. Vários casamentos e bodas foram cancelados e cresce a demanda por batizados. A única coisa que se mantém são os sepultamentos, que seguem normas rigorosas, como o velório de somente quatro horas e a restrição de pessoas. Em função do tempo e para evitar aglomeração, os padres têm feito apenas a celebração de encomendação, sem missa. “Este é um aspecto muito complicado. Na nossa cultura é muito forte o velório, o se fazer presente. E hoje é muito limitado, tanto pelo tempo como pelo isolamento. Não poder ir, dar um abraço, um aperto de mão, são coisas que pesam. As pessoas sentem e afeta muito a família”, revela. Além do velório, há outros ritos que ficam restritos, como a reza do terço nas noites subsequentes e a missa de sétimo dia. A família também não pode receber visitas para apoio e conforto, tornado o processo de elaboração do luto muito mais doloroso e solitário.
A saída encontrada pelos católicos foi manter o contato com a comunidade de forma virtual. Diariamente é distribuído pelas redes sociais um pequeno roteiro baseado no evangelho do dia e duas vezes por semana, é enviado um vídeo com uma mensagem de esperança. Esta foi a maneira encontrada pelos padres Alfonso e Décio Weber, para que as pessoas possam criar um momento de oração pessoal, com base na Bíblia. O retorno da comunidade tem sido positivo, segundo o pároco.
Neste ano não haverá cerimônias de crisma e primeira comunhão na paróquia. “Foi uma decisão conjunta, não teve processo de catequese, como grupo. Por isso resolvemos cancelar”, frisa o padre, salientando que o momento exige adaptação.
Apesar do momento de isolamento e incertezas, o padre Alfonso diz que não percebe um aumento considerável de pessoas que buscam apoio diretamente na paróquia ou por telefone. São situações isoladas, que surgem pelo longo processo de isolamento e a incerteza de como será o futuro, quanto tempo ainda vai demorar a pandemia e a preocupação com os negócios. As pessoas, reforça, estão respeitando o distanciamento social, ficando muito em casa. Inclusive, já ouviu de muitas que mesmo que as celebrações públicas fossem retomadas, não participariam, com intuito de se precaver. Só estão saindo o necessário, para evitar aglomerações e manter o isolamento.
Ansiedade e preocupação com o futuro
A Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) também paralisou as celebrações presenciais em março e não deve retomar, pelo menos, até 15 de agosto. O pastor Valmir Simon diz que as pessoas têm vindo mais ao encontro, seja por telefone, ou em visitas individuais. Percebe que há pessoas com o emocional afetado, com ansiedade, preocupação em relação ao futuro. Declara que desta maneira nunca tinha visto e compara, guardando as devidas proporções, a reconstrução de um pós-guerra. Depois da enchente o quadro ficou ainda mais delicado. Além disso, o longo período de isolamento, sem uma previsão de término, tem deixado as pessoas mais apreensivas.
A segurança econômica é uma das maiores preocupações entre as pessoas que estão no mercado de trabalho. Já entre os mais de idade, que possuem estabilidade econômica e já são aposentados, o que pesa é a saudade da vida comunitária. O medo do adoecimento existe também, mas não é a grande demanda na busca pelo conforto pastoral.
O pastor questiona se esse “normal” que faz a economia girar é salutar. “Não conhecemos uma forma diferente. É o normal que conhecemos até o momento. Se aprendermos algo com a pandemia seria um sonho”, destaca, observando que os anseios estão ligados a esta forma de vida que faz a economia girar. Aí quando a engrenagem emperra, se fica sem norte. “É uma nova realidade, não sabemos o que fazer com ela”, afirma. “Se aprendermos algo deste tempo está bom. Menos é mais. Vamos ter de aprender que se pode viver com menos consumo, agitação e atividades”, pondera, salientando que há aspectos positivos nisso tudo, como os índices de poluição que em alguns casos caíram drasticamente.
Em julho foram realizadas cerimônias de batismo. Todas restritas à família. “Não é o nosso hábito. O lugar do batismo é o ambiente comunitário, mas fizemos desta forma para não deixar sem esse atendimento”.
Para o pastor, até o processo de luto está sendo duramente afetado pela pandemia. Diz que ainda é cedo para se mensurar os impactos, mas que é sabido que num processo em que etapas são puladas, há consequências. “O velório faz parte do processo de despedida. Quando se pula etapas, em algum momento se vai sentir o resultado disso”.
Cultos retomados e tecnologia como aliada
Na Comunidade Luterana São Paulo, da Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB), o pastor Jair Erstling tem feito muitos atendimentos pastorais de forma on-line, por telefone e, em alguns casos, presencialmente, com todos os cuidados necessários.
Os cultos já foram retomados, seguindo as normas que preconizam os cuidados com a saúde, o que inclui a restrição a pessoas de grupos de risco. Com o intuito de evitar a aglomeração, o número de cultos foi ampliado. O pastor garante que, da forma como tudo vem sendo conduzido, as igrejas da congregação são um ambiente seguro.
Além da retomada das atividades presenciais, há o envio de mensagens de forma on-line, o que tem atingido uma parcela de pessoas que antes não era contemplada. “Tem quem supra sua necessidade espiritual assim (on-line) e para quem precisa ir na igreja, de forma presencial, também tem essa opção”, frisa o pastor Jair.
A tecnologia tem facilitado a comunicação com os membros. Situações de aconselhamento são feitas por telefone ou por aplicativos de conversa como Messenger e WhatsApp. Para o pastor, é uma forma de atendimento que veio para ficar. Ele não percebe um aumento expressivo na busca por este tipo de atendimento. Destaca que o medo e a angústia são questões próprias do período de quarentena e ressalta que apenas pode atuar na sua função pastoral, visto que não tem a formação de psicólogo ou psiquiatra.
A Comunidade São Paulo teve forte atuação no período de enchente e nos dias subsequentes. Além de abrigar famílias que tiveram as casas invadidas pela água, muitas pessoas ligadas à igreja auxiliaram de formas variadas, como no preparo de almoço, a aquisição de viandas, na doação e distribuição de cestas básicas e cobertores, além da questão pastoral. “Não olhamos para quem. Ajudamos quem precisava”, destaca o pastor. Para ele, o trabalho também vai no sentido de reanimar as pessoas que tiveram grandes perdas na enchente.
Cultos seguem as normas
Na Igreja do Evangelho Quadrangular, os cultos também foram retomados e seguem os protocolos exigidos, com o distanciamento, uso de álcool gel, distribuição de máscaras para quem não possui e luvas para o diaconato. De acordo com a pastora Luciane Andersen Bernini Leal, todas as células foram canceladas, assim como os encontros em casas, o culto nos lares, para que não haja aglomerações. Às pessoas idosas, foi solicitado que não frequentem os cultos, que passaram a se realizar nos domingos pela manhã e à noite, somente na igreja matriz, no Centro, e com duração de 45 minutos. Em função da enchente foram dois domingos sem culto, visto que a água invadiu a igreja até a altura dos aparelhos de ar-condicionado.
“Estamos tendo todo o cuidado. Desde o princípio, nós estamos assim. Quando tem bandeira vermelha, nós cancelamos os nossos cultos e nos comunicamos pelo WhatsApp, do grupo da igreja, pelo Facebook. Nós temos tido cuidado de não tocar nas pessoas. Temos o hábito, de ungir as mãos das pessoas e estamos fazendo com borrifador. Eu creio que dessa forma também se está contribuindo, colaborando e fazendo parte desse momento, ajudando uns aos outros”, destaca a pastora Luciane.
Ela destaca que tem sido procurada por muitas pessoas com medo, angústia e certos temores. “Temos atendido bastante pessoas assim. Todo culto a gente tem visita. Domingo passado nós tínhamos oito pessoas pela primeira vez. Quando terminou foram falar comigo, pedindo que eu fizesse uma oração”, destaca, dizendo que a busca por este apoio tem sido muito frequente no período de isolamento.
Pessoas buscam apoio
Na Igreja Evangélica Assembleia de Deus, o funcionamento segue dentro do que é permitido, com a redução da ocupação e outras medidas de prevenção ao coronavírus, como a ausência de idosos. A frequência, conforme o pastor-presidente Joaquim Soares da Silva é boa, inclusive com a aproximação de pessoas novas. Em Arroio do Meio foi feito um ajuste para que houvesse cultos nos cinco templos, o que amplia o número de pessoas atendidas e não causa aglomeração. Há cultos na terça-feira, na quarta-feira, no sábado e no domingo, estendendo a possibilidade de participação. O pastor-presidente conta com o apoio de obreiros que conduzem os trabalhos nas congregações. Em Travesseiro as regras também são seguidas à risca, com redução no número de participantes.
Segundo o pastor Joaquim, muitas pessoas buscam uma palavra de apoio neste momento delicado. Diz que a pandemia trouxe medo e insegurança e as pessoas buscam por um conselho, uma oração, uma palavra de conforto. Assegura que nem sempre é a questão financeira que incomoda, visto que Arroio do Meio é próspero.
A igreja matriz, localizada na rua Coronel Zimmermann foi atingida pela enchente. Apesar de tudo, mobilizou forças para auxiliar as pessoas que foram atingidas. Foram arrecadados alimentos, cobertores, roupas e outros donativos. As doações vieram, inclusive, de outros municípios e não pararam. Ontem pela manhã foi recebida uma doação de Santo Antônio da Patrulha. No período de pós-enchente a igreja serviu mil refeições – entre almoço e janta – e distribuiu mais de 480 cestas básicas, além de produtos de limpeza. “Mesmo que tenha entrado água na igreja (um metro), reagimos de forma diferente, buscamos ajudar a população”, afirma o pastor Joaquim.