Transportar cargas pesadas por longas distâncias, longe de casa, não é tarefa simples. A mesma precaução que a maioria das famílias só adota nas viagens de férias, a passeio, os caminhoneiros precisam ter todos os dias, mas com desafios e dificuldades redobradas, faça chuva ou sol, calor ou frio. Exige muita habilidade, perícia, condicionamento físico e psicológico, e a sensibilidade de que, antes de bens e produtos transportados, e do bom atendimento aos clientes, o trânsito é feito de vidas. Por isso, é uma das profissões com a maior cordialidade entre colegas e, até mesmo, concorrentes.
Filho de caminhoneiro, Luís Herique Henicka, 44 anos, o Maninho, natural de Linha Marinheira, Capitão e morador de São Caetano, Arroio do Meio, sempre quis seguir a profissão do pai, João Elias (in memorian), assim como também fez seu irmão mais velho, Paulo Cézar. Começou a trabalhar desde de cedo, aos 12 anos de idade, extraindo paralelepípedos e outras pedras de basalto numa pedreira em Capitão. Aos 17 anos começou a dirigir na prática, com o caminhão caçamba da pedreira, o que lhe proporcionou desde cedo uma experiência em estradas sinuosas e íngremes.
Começou a trabalhar como motorista profissional aos 24 anos de idade. Atuou na sucatas Wiebeling e na Krustalos, transportando salgadinhos para todo o Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Fez economias e, aos 29 anos, em 2004, um ano após casar-se com sua esposa Isoldi, comprou seu próprio caminhão, realizando um sonho de infância. Um Ford Cargo Truck 16-22.
Em dezembro daquele ano, transportava uma carga da Bremil para São Miguel do Oeste/SC e Maringá/PR. No retorno, transportava uma estrutura para montagem do Parque de Exposições de Não-Me-Toque.
Quando descia a Serra de Irani/SC, na BR-153, trecho um pouco menos íngreme que a Serra de Pouso Novo, aconteceu algo inesperado, apavorante. “Estava na terceira marcha e queria engatar a reduzida, mas a mangueira de ar estourou, e a pressão diminuiu ao nível mínimo, o câmbio acabou ficando no neutro. Puxei o freio estacionário, mas as lonas dos freios estavam mal reguladas, muito distantes da roda, e mesmo se estivessem perto, teriam ‘envidrado’ devido a carga do caminhão. A velocidade chegou a 70km/h na descida, o que é bastante para um veículo pesado. Passei por seis curvas sinuosas. Abri a porta duas vezes, para me atirar, mas eu ia morrer. Só pensava nos meus familiares. Pedi a ajuda a Deus e torci para ninguém cruzar por mim, pois estava ocupando as três pistas da rodovia, torcendo para conseguir um trecho plano, onde tinha um posto de gasolina para tentar parar. Logo após, havia outra descida de serra. Eram 9h, por sorte ninguém cruzou por mim e consegui parar. Naquele instante não queria mais ser motorista, pensei em desistir. Foi um teste forte, conviver com o fato de que a nossa vida é frágil diante do perigo no transporte de cargas pesadas. Mas juntei forças e voltei para o topo da serra, onde tinha uma oficina, troquei a mangueira de ar e consertei o freio. Desci a serra de novo, entreguei a estrutura em Não-Me-Toque e voltei para casa. Na outra semana estava trabalhando de novo”, recorda.
Maninho continuou, porque gosta da profissão, assim como muitos amigos que já partiram dessa vida. “É desesperador ver conhecidos no meio do ferro retorcido, ou não poder fazer nada para ajudar quando um caminhão está prestes a pegar fogo”. Mas apesar dos riscos, ser caminhoneiro lhe proporcionou conhecer lugares incríveis e vivenciar momentos muito especiais. “Não se fica rico, mas dirigindo caminhão, conquistei bens materiais e consegui comprar um caminhão truck caçamba, para poder prestar serviços adicionais. Assim não fico sem trabalhar. Me organizo conforme as melhores oportunidades, e se a demanda for alta, contrato alguém para me ajudar,” declara.
Nenhum dos caminhões é novo, mas estão em bom estado, com pneus novos, manutenção em dia, além disso, ele conhece bem a mecânica e o mercado de assistência técnica. “Quem calcula e bota no papel, vai ver que o novo só é viável para uma minoria. O seguro, IPVA e depreciação são muito mais elevados. E a manutenção é caríssima quando começam a surgir os primeiros problemas. Para quem não tem um frete fixo com remuneração acima da média, não vale a pena. Os custos fixos acabam levando o lucro e dinheiro que precisa ser investido em outras realizações, no bem-estar da família e pessoal. Os meus usados vão aos mesmos lugares que um zero quilômetro, e não me estresso por dificuldades financeiras”, comenta.
Apesar das estradas brasileiras estarem longe de serem ideais, em sua visão, receberam melhorias significativas nas últimas décadas. “Quando eu comecei, as rodovias eram todas de pista simples. Havia muitos congestionamentos e acidentes. Muitas rodovias foram duplicadas, diminuindo a tempo de deslocamento, melhorando a segurança e desempenho dos veículos”, compara.
Colorado e pai do garotinho Riquelme, 10 anos, gremista e jogador da escolinha Prata da Casa, Maninho opta por viagens de até oito dias. “A minha família está acostumada. Infelizmente o frete bom está longe de casa. A melhor remuneração está no Vale do Itajaí, mas percorro o Brasil todo, principalmente São Paulo, Curitiba e Uberlândia. Em fevereiro estive em Sobral/CE, e pelo Sergipe, por exemplo, após uma oportunidade interessante. Já tentei convencer minha esposa para mudarmos para Joinville, uma cidade estratégica para caminhoneiros. Mas ela tem a carreira dela por aqui no setor calçadista e temos nossos familiares”.
Recentemente Maninho quase teve dois acidentes. Um deles foi em Linha Alegre, Capitão, há cerca de um mês. A caçamba estava carregada com 16 toneladas de paralelepípedos. A válvula da mangueira de freio estourou e o caminhão, novamente ficou sem freios. Maninho chegou a arrancar o cercado de uma casa, até conseguir parar em um local seguro. “As válvulas e mangueiras do sistema a ar não têm um prazo específico para manutenção, como outros componentes que têm recomendações de fábrica. Imprevistos podem ocorrer com peças novas. Mesmo assim, as falhas técnicas ainda respondem por uma pequena porcentagem no número de acidentes. A maioria ocorre por falhas humanas. Tendo os riscos sempre presentes, faço questão de dirigir na defensiva, ficar numa distância segura e velocidade moderada. Tenho certeza de que por causa da prudência, nunca me envolvi em acidentes em 21 anos enquanto autônomo. Só ficaram no quase”.
No último dia 10, Maninho, estava carregando paralelepípedos em Progresso, numa pedreira que fica na divisa com a localidade de Vasco Bandeira, em Marques de Souza. O caminhão estava parado no topo. Ele estava em cima da caçamba. Em decorrência do chão úmido o veículo escorregou em direção a um penhasco de 500 metros de altura. Maninho pulou para se salvar. Ele lesionou o ombro. Por sorte o caminhão parou por conta. “Se Deus quiser, quero continuar dirigindo até os 80 anos de idade”.