Há cerca de dois meses só existe um assunto em todo o
mundo. A pandemia do coronavírus é onipresente, mas a vida
continua, mesmo com todos comendo enquanto é dia e dormindo quando escurece. Nossa rotina foi virada de cabeça
para baixo. Fomos obrigados a reaprender a conviver em família, com a distância dos amigos e dos colegas de trabalho.
Nestes dias tenho trabalhado muito em casa. As redes
sociais impedem o isolamento completo, embora por ao
menos duas horas diárias me mantenho longe do celular.
Não bastasse este esforço para manter a sanidade mental,
uma ocorrência simples mudou meu dia a dia nesta semana
para lembrar como era antes.
Depois de muitos anos passei a noite em claro com dor
de dente. Eram 4h da madrugada quando resolvi tomar um
analgésico para conciliar o sono. No dia seguinte, a parte
superior da minha boca latejava, impedindo manter a rotina
de confi namento. Não restou alternativa: liguei para minha
salvadora, a doutora Cláudia Giacobbe Presotto, dentista
sempre disposta a ajudar, através de sua fi el escudeira, a secretária multitarefas, Mônica Rolim.
Às 8h do dia seguinte estava no consultório, tremendo
de medo, suando, apesar do ar condicionado marcar 21°C.
A minha odontofobia – verdadeiro pavor de ir ao dentista
– foi significativamente reduzida, mas persiste. Depois de
uma hora de agonia, muita anestesia e paciência da Cláudia,
finalmente fui para casa com uma receita de três medicamentos caso a dor não cedesse.
Não podemos esquecer de valorizar o que
temos e que milhões jamais sonharam possuir
Quando redijo estas mal traçadas linhas ainda tenho difi –
culdades para mastigar, mas a dor diminuiu bastante. Retomei a rotina de trabalho com rádio e tevê ligados e torcendo
para que o pandemônio do vírus, nascido na China, ceda.
A dor que senti me levou à reflexão sobre o que enfrentaremos daqui para frente. Não acredito que a solidariedade
será “artigo de primeira necessidade”. As tragédias despertam essa chama de ajuda que cessa assim que a normalidade é retomada. Talvez haja maior cuidado com a saúde,
alimentação mais saudável, menos exageros.
A dor de dente lancinante foi uma nesga de normalidade nesta rotina deformada que nos foi imposta. Serviu para
mostrar que às vezes reclamamos de barriga cheia. Temos
uma vida boa, com carências e falhas, certamente. Mas não
podemos esquecer de valorizar o que temos e que milhões
de semelhantes jamais sonharam possuir.