Você acha que teve uma infância difícil? Você se considera muito azarado por atravessar a meninice morando mal e tendo pouca comida sobre a mesa? Você pensa que foi infeliz por causa dos presentinhos mixurucas que ganhou em antigos natais e aniversários?
Bom, então você deve ler “O castelo de vidro”, de Jeannette Walls.
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“O castelo de vidro” foi publicado em 2005, ganhando tradução para 22 países – o Brasil, inclusive – e até agora vendeu cerca de três milhões de cópias. Em 2017, virou filme.
A história é real. Uma autobiografia. Jeannette Walls conta aí a própria vida. São páginas dolorosas, também páginas bonitas, comoventes.
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A narrativa começa lembrando o dia em que – já na condição de uma respeitada jornalista – Jeannette se dirigia a uma festa. Estava em Nova Iorque, num táxi que parara em função do trânsito. Vinha pensando se o traje que usava não seria chique demais para a ocasião. De repente, avistou sua mãe. Encolhida e desgrenhada, a mãe se protegia do vento frio com trapos enrolados nos ombros. Remexia latas de lixo, em busca do que fosse aproveitável. A mãe era uma moradora de rua.
O segundo capítulo apresenta a lembrança mais antiga que Jeannette guardou da infância. Estava com três anos no dia em que literalmente pegou fogo. Subira numa cadeira para alcançar o fogão. Espetava salsichas, que cozinhavam em água fervente. Na peça ao lado a mãe cantarolava, distraída com a pintura de um dos seus quadros. Quando a menina se abaixou para dar uma salsicha para o cachorro, o saiote rodado pegou fogo. Quem a socorreu foi uma vizinha. Jeannette saiu do hospital, depois de seis semanas. Mas as cicatrizes ficaram para sempre.
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Ao longo de quase quatrocentas páginas, a gente pode acompanhar as andanças da família de Jeannette Walls – o casal Rex e Rose Mary, mais os quatro filhos, por vários estados. Moram em trailers, em casas improvisadas, acampam no deserto. Em geral, saem de mudança na calada da noite. Botam suas coisas no velho carango e fogem, antes que o dono venha brigar pelo aluguel atrasado.
Os pais não são nada convencionais. Rex é um homem brilhante e carismático, mas não dura em emprego nenhum. Vira desonesto e violento, quando está bêbado. Sonha com a grande casa que vai construir no deserto, o Castelo de Vidro – que, evidentemente, nuca chega a construir. Rose Mary, pintora e escritora, vive alheia às necessidades dos filhos, não se preocupa com detalhes, como comida e cama para as crianças…
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O livro é lindo, apesar da crueza do relato.
Mostra uma coisa fundamental. Mostra que é possível criar uma vida legal, mesmo partindo de condições absolutamente desastrosas.