André Leandro Barbi de Souza
Fundador e Sócio-diretor do IGAM, Advogado e Professor com Especialização em Direito Político, Sócio do escritório Brack e Barbi Advogados Associados.
Esta é uma discussão que se envereda no meio parlamentar e deságua no nosso cotidiano. Estima-se, no caso do Brasil, que tenhamos em torno de 181 mil leis em vigor, considerando as leis federais, estaduais, distritais e municipais. Sim, “estima-se” porque é impossível ter certeza sobre esse dado. Estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (ibpt.com.br) indica que desde a Constituição Federal, em 1988, foram editadas em nosso país 5,4 milhões de textos normativos, estamos falando, então, de 769 novas leis por dia útil. Ah… Esse estudo apurou esta contagem até 2017, portanto, esses números, hoje, já são bem mais expressivos.
Mesmo o Brasil adotando o sistema de leis estruturado por códigos e normas escritas, com origem lá no direito romano, é complicado lidar com tantas normas. Se buscarmos a lógica de Aristóteles, a lei se justifica para o cidadão se ela for indutora de virtude; se examinarmos Santo Tomás de Aquino encontraremos que a lei deve ser a prescrição de razão para o bem comum elaborada por quem tem, a seu cargo, o cuidado com a comunidade. É inequívoco afirmar que quanto mais uma nação vulgariza o seu sistema de leis, menos maturidade ela apresenta e mais insegurança ela gera às pessoas e às instituições.
Mas não é só a quantidade de leis que perturba a qualidade de nossa cidadania, a falta de compreensão do papel de cada lei também contribui para esse confuso cenário. No Brasil temos leis federais, estaduais, distritais e municipais. A lei federal é a lei que produz efeito em todo o território nacional, tratando de temas previamente indicados na própria Constituição Federal. A lei municipal é a que dispõe de assuntos de interesse local, de temas que entram em contato com nossa habitabilidade, ou seja, que se relacionam com nosso dia a dia, com a construção de nosso habitat comum com qualidade de vida e com infraestrutura. O tema que não é indicado constitucionalmente para a lei federal e o que não se caracteriza como sendo de interesse local, residualmente, então, fica sob a responsabilidade da lei estadual.
Não há hierarquia entre a União, os estados e os municípios, portanto, as leis que cada um desses entes federativos edita ocupa espaço próprio, com sujeitos e destinos específicos. Não se escolhe qual lei seguir, se a federal, a estadual ou a municipal. É o caso concreto que atrai uma ou outra lei, conforme a sua configuração. Em algumas situações, a lei estadual ou a lei municipal podem suplementar a lei federal, mas nunca uma se sobrepor a outra, pois ambas não tramitam pela mesma via. Se se trata, por exemplo, de prática de crime, daí é lei federal, pois nela se aloja o direito penal; mas se se trata de transporte coletivo, daí é a lei municipal, pois nela se aloja a disciplina da infraestrutura local.
A questão é que em muitos casos esses critérios não são atendidos, gerando insegurança às pessoas e às instituições, pois não são raros os casos em que a lei federal se insere em temas que são locais ou em que a lei municipal se projeta sobre temas que são da alçada legislativa do estado… Um “engarrafamento” legislativo dessa natureza é nocivo sob qualquer ângulo, mantendo em marcha lenta qualquer perspectiva de desenvolvimento.
É o caso, então, de termos tantas e tão confusas leis? Não, definitivamente não. Para uma sociedade evoluir é necessário que a fronteira entre o lícito e o lícito seja estável, objetivamente definida e claramente indicada.