Com o passar dos tempos, nas últimas décadas, o ato de apreciar o sabor das frutas nativas acabou se tornando algo muito esporádico. Para os mais velhos, virou nostalgia e, para um público muito restrito de jovens, se permitir experimentar tais iguarias, sob certo ponto de vista, tem um conceito cult.
Na visão de ecologistas e ambientalistas, o mercado de consumo e rotina da sociedade acabaram induzindo as pessoas a terem uma alimentação baseada em alimentos produzidos com commodities ou por grandes players mundiais.
Outra situação é que no RS e Vale do Taquari, talvez ainda não se dê o valor às espécies nativas como em outras regiões do Brasil e do mundo, que se especializaram em extrair os melhores produtos possíveis e a apresentarem isso ao mercado, por meio de sucos, bebidas, polpas, geleias, frutas secas, cristalizadas, in natura ou numa série de alimentos já existentes, como sorvetes, sobremesas, guloseimas e licores, acrescidos por estes sabores como forma de agregar valor aos produtos oferecidos.
Algumas famílias até mantêm a tradição de fazer receitas com espécies nativas para consumo próprio, mas falta um interesse coletivo em aproveitar melhor o que a natureza nos oferece com bastante facilidade. Isso, inevitavelmente, passa pelo desejo dos consumidores e pela inovação do mercado em testar novos produtos e padronizar processos produtivos. Hoje além de existirem cada vez menos variedades, ainda é comum ocorrer desperdícios, pela falta de tempo e conhecimento para um melhor aproveitamento.
A professora aposentada Maria Luiza Jantsch Lazzari, sócia proprietária da ArtCream – Sorvetes Naturais, que integra o roteiro turístico Entre Vales e Arroios, entende que a sazonalidade da natureza, em oferecer os alimentos, beneficia a própria humanidade. Isso porque, em cada estação do ano, as necessidades nutricionais e fisiológicas são diferentes. Mas as pessoas acabaram dando preferência ao que é mais prático, e muitas vezes consomem alimentos estressados pela quebra do ciclo natural, feita para antecipar e multiplicar a produtividade, e muitas vezes sem sabor e consistência.
Ela relata que, na Itália, é comum as gelaterias priorizarem receitas com frutas da época, como forma de ofereceram sorvetes mais frescos, saborosos e equilibrados nutricionalmente. Embora na sua sorveteria a preferência dos consumidores ainda seja por receitas tradicionais, ela acredita que a escolha por alimentos mais saudáveis é uma tendência. “Ficamos sabendo de um grupo de agricultores em Passo Fundo que foi estimulado a recuperar áreas degradadas com espécies de frutíferas nativas, mas não tinham como escoar a produção e acabaram ganhando apoio da Cetap, criaram um empreendimento chamado Encontro de Sabores e passaram a despolpar, embalar e congelar polpas de butiá, jabuticaba, guabiroba e araçá, entre outras, o que abriu um leque de inúmeras possibilidades”, dimensiona. O valor pago pelo quilo da polpa chega a R$ 50, dependendo da espécie.
Além das variedades nativas, a sorveteria ArteCrem também explora diversas receitas naturais e orgânicas e quer estreitar parcerias com fornecedores do Vale do Taquari, que hoje são uma minoria. Nos fundos do imóvel – onde também havia uma área degradada por resíduos de uma das empreiteiras que construiu a ERS-130 – já está sendo instalado um pomar para, futuramente, oportunizar aos consumidores a experiência de colher e degustar as frutas no pé. A Ong Ecobé e a graduanda em Agronomia pela Ufrgs, Larissa Barreto Müller, ajudaram no apoio técnico e plantio das mudas.
No entanto, Maria Luiza deixa claro que a intenção da empresa não é produzir a matéria prima, por isso entende que parcerias com produtores de espécies nativas e orgânicas, podem fortalecer um micro arranjo econômico, com menos impacto ambiental e garantia de alimentos saudáveis.
Um dos fatos que choca a professora é ouvir de especialistas ligados à saúde, que as pessoas só se preocupam com a boa alimentação quando há crianças ou doentes envolvidos. Entretanto, avalia que o setor de alimentos orgânicos e nativos têm muito a crescer, pois a sociedade está se dando conta de exageros na rotina e consumismo. “Como Gandhi dizia, precisamos ser a mudança que queremos ver no mundo”, expõe.
A graduanda Larissa Barreto Müller integra um grupo de estudos de um relatório do Ministério do Meio Ambiente, feito em 2011, sobre as Espécies Nativas da Flora Brasileira de Valor Econômico Atual ou Potencial na Região Sul, a respeito de 16 espécies alimentícias – goiaba-serrana, araticum/fruta da china, pinhão, diferentes variedades de butiá, palma, guabiroba, cereja, uvaia, pitanga, palmito/açaí-juçara, maracujá, fisális, jabuticaba, aracatiá, araçá e mamãozinho –, quatro aromáticas – pimenta do mato, cravo, aroeira e crem/chagas –, e 35 medicinais, e ainda sobre fibrosas, forrageiras e para madeira. O material ainda detalha características apícolas e sua fenologia de floração. Segundo Larissa, as variedades são essenciais para preservação de 24 espécies de abelhas nativas sem ferrão, que estão em risco de extinção.