A tarde de terça-feira, dia 23, foi especial para alunos da Escolinha Prata da Casa e familiares, que tiveram uma palestra com o treinador e ex-jogador de futebol profissional, Roger Machado, multicampeão pelo Grêmio. O encontro ocorreu na secretaria da Educação de Arroio do Meio.
A temática abordou diferentes etapas do desenvolvimento de um atleta, em âmbito técnico, tático, físico, disciplinar e intelectual. Segundo o treinador, a qualidade técnica é somente uma das variáveis que vão diferenciar um jogador, e que todo o conhecimento adquirido no meio escolar e pedagógico é essencial para compreender o contexto e melhorar a capacidade de ação, reação, disciplina e persistência. “Há muitos profissionais que atuam em alto nível sem serem os melhores tecnicamente. É porque possuem inteligência, perspicácia e capacidade de estudar e neutralizar os adversários, que os colocam num mesmo nível de competividade que os gênios. Conciliar esportes e estudos é difícil e nunca vai ser fácil. E essa é a diferença de quem quer persistir e buscar algo a mais na carreira. É preciso ter talento, esforço, dedicação, resiliência e paciência. Não é só futebol que é assim… a vida é assim”, reforçou.
O treinador destacou que o talento tem um teto que será determinado pelo nível de competitividade e comprometimento no trabalho coletivo, e fez questão de afirmar que o bom trabalho das instituições de base é fundamental para preparar bons cidadãos, profissionais, líderes e gestores em outras áreas, por meio da vivência adquirida no esporte, que ensina a cooperar, competir e conviver. “Por muito tempo o esporte e as artes foram marginalizadas porque não havia espaço para o desenvolvimento das potencialidades. Hoje futebol é o vestibular mais difícil de todos, mas também é o esporte mais democrático pela capacidade de inclusão, começando pelos diferentes biotipos. O sucesso é relativo e é fundamental que os educadores de base conduzam os jovens de forma saudável para não ocorrerem frustrações, evitando com que a droga seja um refúgio. Não joguei na Europa e nem numa Copa do Mundo, mas nem por isso me sinto frustrado”.
CARREIRA – Filho de um músico, com tio por parte de mãe e irmão mais velho jogadores, Roger, aos 16, 17 anos, estava dividido entre o vôlei e futebol. Um colega de aula, jogador da base do Grêmio, insistiu meses para um teste no clube. “Pensei, vou logo para ele parar de encher o saco. Eu era baixo e pesava em torno de 60kg. O treinador já nem mais estava prestando atenção na avaliação. Fui aprovado pelo massagista. Logo argumentaram que eu teria potencial para jogar dez anos no Grêmio e que em dois anos estaria entre os profissionais. Olhei para os outros jogadores mais altos e preparados e pensei: estão de sacanagem. Mentiram. Em um ano e meio já era titular. Desenvolvi minha autoconfiança a medida dos enfrentamentos em nível nacional e internacional durante excursões com o clube nas intertemporadas. Tinha prazer eu roubar a bola e preferência em marcar os dribladores, porque nunca estavam satisfeitos com apenas um drible. Só gênios tem um repertório maior que cinco dribles. Chegava a ter pesadelos com alguns pontas direitas. O mais complicado era ter que buscar energia depois da metade do segundo tempo quando geralmente entrava um adversário ainda mais veloz. Me caracterizei pela velocidade, disciplina e força. No Grêmio disputei 505 jogos, sendo um dos cinco que mais atuou num clube centenário. Do auge em 1995 e 1996, tive que lidar com a pressão e ansiedade de escapar do rebaixamento em 2003, na última rodada. Em 2004 e 2005 aprendi muito no Japão. Em 2006 joguei no Fluminense, voltei a ser campeão. E mesmo com baixa estatura me adaptei a zaga porque pelo meu impulso e tempo de bola desenvolvido em outros esportes, como vôlei e basquete. Tentei os EUA, mas como no esporte a gente empresta o corpo, tive que parar aos 34 anos. Iniciei a graduação em Educação Física, primeiramente para entender na teoria os processos aos quais fui submetido em 14 anos de futebol profissional, como diferentes treinamentos, preparação física, tipos de metabolismos, fibras musculares, nutrição e periodizações. Concluí a faculdade com a maior nota da turma e com menos de 2% de ausências, porque entendi que precisava deste conhecimento para ser um treinador respeitado”.
O QUE MUDOU – Roger Machado não vê mudanças substanciais no futebol na perspectiva individual e corporativa, da época em que era treinado, com o momento em que é treinador. “São gerações diferentes. Estamos na era da conectividade. Os meninos vêm com muita informação e conhecimento prévio, têm capacidade de discutir e argumentar. Não se consegue impor. É preciso convencer de que aquilo é melhor a fazer. O desafio dos educadores e treinadores é encontrar ferramentas e atingir todos num grupo de 30 jogadores com personalidades e níveis de entendimento diferente, para informação ser compreendida o mais rápido possível. É uma mudança para melhor que exige uma nova forma de gerir, pois há mais elementos para confrontar e contribuir […] não se tem problemas com quem joga em alto nível, só com quem acha que está”.
ADAPTAÇÃO E OPÇÕES– “A adaptação deve ser encarada com maturidade. Não se deve tomar decisões precipitadas movidas pela emoção em torno da carreira”.
SUPERAR A TENSÃO – “Por mais que ocorram injustiças, é preciso entender que todos que estão envolvidos num jogo de alto nível são profissionais que se capacitaram para isso e respeitar as interpretações. Em muitos casos, quem reclama é o maior prejudicado, pois se desconcentra no que é mais importante, como ajeitar a barreira, corrigir posicionamentos que levaram a erros que motivaram a decisão da arbitragem. Mas isso não significa que questionamentos não são formas de ajudar”.
PROJETOS – Durante a vinda para Arroio do Meio, Roger conheceu o município, campos de futebol e esteve no gabinete do prefeito Klaus Werner Schnack. No futuro, pretende apoiar projetos de base para retribuir tudo o que conquistou. Seu empresário, Leo Fereira, é grande parceiro da Escolinha Prata da Casa.