“Abundância” – segundo o dicionário – quer dizer grande quantidade; opulência; fartura.
Se alguém lhe pedisse para criar uma imagem retratando abundância, você desenharia o quê?
Fiz esta mesma pergunta ao Google e ele trouxe figuras com dinheiro; com mesas cobertas de comidas; com plantas em floração; com cestas de frutas; com redes trasbordantes de peixes; com recipientes cheios de sementes; com joias preciosas, etc. Até aí, ficou parecendo que abundância é coisa pra rico…
Mais adiante, também como retrato de abundância, encontrei a imagem de um homem parado no meio de um campo, com as mãos erguidas para o céu, fazendo um gesto de gratidão.
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Fiquei pensando.
A imagem do homem no meio do campo leva a imaginar que abundância nem sempre tem a ver com algo que se pode ver ou pegar. A abundância seria, também, uma sensação. Uma sensação de contentamento com a vida. A abundância pode ser uma vivência de plenitude, que as mãos nem podem tocar.
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Como quer que você a tenha desenhado – como um conjunto de coisas ou como uma sensação interna – a abundância é a fonte de onde a gratidão pode brotar. Isto quer dizer que o sentimento de gratidão não nasce necessariamente da posse de quantidades possíveis de medir. Muitas vezes tem relação com a capacidade de sentir que a gente tem, que a gente contém, que a gente está contente (a palavra “contente” é parente de “ter”, “conter”). Neste caso, a abundância ganha a forma da alegria com o que está ao alcance da mão. Seja um caneco de água fresca, seja um amigo em cujo ombro se pode chorar…
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O livro de Oliver Sacks, que tem como título a palavra “Gratidão” é um belo companheiro para pensar sobre este assunto. Tem apenas 58 páginas – mas vale por uma enciclopédia de sabedoria. Quando escreveu o livrinho, Oliver Sacks já passava dos oitenta anos e fora diagnosticado com um câncer. Meio a esta situação ele entoa uma espécie de hino de gratidão. Diz assim:
“Tive a sorte de viver mais de oitenta anos.
“Isso não quer dizer que não quero mais nada com a vida. Muito pelo contrário, sinto-me intensamente vivo, e desejo e espero, no tempo que ainda me resta, aprofundar minhas amizades, dizer adeus àqueles a quem amo, escrever mais, viajar, se tiver forças, atingir novos patamares de compreensão e descortino.
“Meu sentimento predominante é a gratidão. Amei e fui amado, recebi muito e dei algo em troca, li, viajei, pensei, escrevi.
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Tudo isto quer dizer que a abundância não é artigo exclusivo de gente dinheiruda.
É, principalmente, o contentamento com o que está aí, com a vida – qualquer que seja a forma que ela tenha no momento.