Produtores de leite de todo o Brasil sofrem com o preço baixo pago pelo litro do produto. Mais de um milhão de produtores e cerca de quatro milhões de pessoas trabalham na atividade que está em 99% dos municípios brasileiros, seja diretamente ou indiretamente. A situação preocupa. No Rio Grande do Sul, nos últimos dois anos, 19 mil produtores abandonaram a atividade. Já nos Vales do Taquari e Caí, 1,8 mil pessoas deixaram o setor.
Para tentar estancar a crise no setor, o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, anunciou há poucos dias a suspensão da importação do leite uruguaio. A entrada do produto do país vizinho contribuía para a queda do preço pago ao leite brasileiro. Em entrevista recente, o ministro adiantou que o Mapa não dispõe de orçamento para comprar o leite excedente, mas que através do MDS tal medida poderia ser viável.
Crise favorece evasão
Com 25 vacas em lactação, o produtor Daniel Fröhlich de Arroio Grande, Arroio do Meio, e que também é presidente do Conar de Arroio do Meio, tenta motivar-se diante da difícil situação enfrentada pelo setor. Com uma produção diária de 600 litros, revela que as perdas são consideráveis, e que as quedas consecutivas nos últimos meses somam R$ 0,38. O que deixa de receber mensalmente com a desvalorização do produto daria para pagar a prestação mensal das novas instalações construídas recentemente, investimento que ultrapassa os R$ 200 mil.
Mas o produtor fala que o prejuízo vai além dos R$ 0,38. A razão é o custo de produção que aumentou consideravelmente no decorrer do ano. Cita o óleo diesel e a energia elétrica como os principais vilões, mas menciona também os produtos de higiene utilizados para ordenhar os animais, entre outros. “É preciso três litros de leite para comprar um litro de diesel, produto imprescindível na propriedade. Lembro que há alguns anos o leite e o diesel se equiparavam no preço”, observa.
Revela que a intenção de se dedicar integralmente na atividade leiteira não foi possível devido a desvalorização do leite, que segundo ele, teve cinco quedas consecutivas de: R$ 0,05, R$ 0,07, R$ 0,10, R$ 0,10 e R$ 0,06. “ O objetivo era parar com a prestação de serviços. Mas a crise pela qual passa o setor me fez refletir melhor”, observa Daniel.
Ele critica a política adotada pelo governo do Estado em reduzir o valor do ICMS para 4% sobre o leite em pó do Uruguai, que tem agravado a situação do setor. Entretanto se mostra confiante com a suspensão da importação de leite do país vizinho por tempo indeterminado pelo ministro da Agricultura, Blairo Maggi. “Não sei qual é a vantagem do Estado em importar o produto com redução de ICMS. Dessa forma deixa de arrecadar tributos e enfraquece toda a cadeia produtiva. A consequência é menos investimentos no setor e menos empregos”, observa.
Daniel diz que a desvalorização do setor primário o faz pensar duas vezes em incentivar o filho Emanuel, de 12 anos, a continuar na atividade rural, já que se mostra interessado em assuntos referentes à propriedade. Curioso, o garoto adora dirigir o trator e mexer nos implementos agrícolas, a exemplo do pai quando muito jovem. “Da forma como está a agricultura, penso que ele tem que seguir outra profissão na qual tenha valorização e reconhecimento”, afirma.
Alternativas minimizam prejuízos
A família Steffens, de Forqueta Baixa, está há 21 anos na atividade leiteira e produz 1.200 litros por dia. Quatro pessoas se dividem entre a atividade e a prestação de serviços a terceiros que representa uma importante fonte de renda à propriedade. A família reforça a linha de pensamento do presidente do Conar, Daniel Fröhlich, em que a diversificação é necessária para o equilíbrio financeiro da propriedade.
Robson, um dos filhos mais velhos, se mostra insatisfeito com a política adotada pelo governo do Estado em relação ao leite uruguaio que entra no Brasil com alíquotas de ICMS menores que as praticadas aqui e não acredita que o embargo dure por muito tempo. Afirma que o custo de produção aumentou muito nos últimos dois anos, com exceção da ração que se estabilizou. Em contrapartida, lembra que há dois anos chegou a receber R$ 1,60 pelo litro do leite. Hoje recebe R$ 1,02.
Além da desvalorização do setor primário, cita outros entraves que desestimulam o produtor rural, a exemplo dos juros que incidem sobre os financiamentos para a aquisição de implementos e instalações que subiram de 2% para 5,5%. “Está cada vez mais difícil produzir. Um país que tem como base a agricultura deveria ser melhor valorizado”, fala.
Para minimizar os prejuízos, adotou algumas práticas que deram resultados. A primeira delas foi oferecer uma dieta equilibrada e com menor custo aos animais que passaram a produzir mais. Ele substituiu a ração por milho moído e aumentou a quantidade de farelo de soja. Dessa forma, conseguiu reduzir o custo em R$ 0,35 por animal/dia. O resultado foi ainda melhor na produtividade, já que cada animal passou a produzir um litro e meio a mais por dia.
Cooperativa Languiru
A crise pela qual passa o setor tem mobilizado toda a cadeia leiteira, nela incluídas as cooperativas do Vale do Taquari. A mobilização se intensificou com a importação do leite uruguaio que agravou a crise no setor.
Para o presidente da cooperativa Languiru, Dirceu Bayer, medidas urgentes devem ser tomadas para estancar a crise que vem se agravando nos últimos meses. “O cenário é muito negativo, interferindo na geração de emprego e renda no campo. Inclusive, muitas famílias têm deixado a atividade”, destaca.
Segundo levantamento da Emater/RS-Ascar, cerca de 1,8 mil famílias dos Vales do Taquari e Caí já abandonaram a produção de leite. “Precisamos, urgentemente, fortalecer o mercado interno de lácteos, ampliando as compras governamentais do leite nacional, além de mecanismos de controle para a importação de leite em pó dos países do Mercosul, especialmente do Uruguai, origem do maior volume atualmente”, acrescenta.
Para Bayer é essencial a união de esforços para minimizar os problemas e prejuízos à cadeia produtiva do leite. “O Brasil precisa dessas relações comerciais internacionais, por isso não somos contra a importação, mas que os volumes de leite em pó que ingressam no país e, especialmente, no Rio Grande do Sul, não desestruturem toda a nossa cadeia produtiva”, conclui.
Cooperativa Dália
O presidente do Conselho de Administração da Dália Alimentos, Gilberto Antônio Piccinini, fala que o cenário é de dificuldades. Diz que toda a cadeia produtiva está pagando um preço alto pelas políticas adotadas, que prejudicam não só produtores, mas todo o setor a exemplo das empresas que vem amargando resultados negativos com o baixo preço pago ao litro de leite.
Ressalta que a cooperativa tem adotado algumas estratégias para minimizar a crise no setor, entre elas a comercialização de insumos a preço de custo aos associados, o que reduz o custo de produção. “Dessa forma os produtores aumentam a margem de lucro em relação aos demais. É preciso considerar que estamos vivendo uma crise política, que provocou uma forte crise econômica. É importante que haja a retomada do crescimento para que ocorra a normalidade no consumo de lácteos e, com isso, novamente remunerar a cadeia”, afirma.
Picinini defende algumas ações para reverter o quadro e alavancar a cadeia produtiva. A primeira delas é não liberar a importação de leite do Uruguai sem que haja uma clareza de quanto é importado, definindo cotas para os países que exportam para o Brasil.
Defende ainda taxas de financiamentos mais acessíveis para programas como Pronaf e Mais Alimentos, e cita a alta carga tributária como um entrave para o crescimento do setor. “A brutalidade e os constantes aumentos dos impostos nos tiram a competitividade e inviabilizam os produtores”, ressalta.
Para Gilberto, a falta de mão de obra, a estrutura das propriedades e as leis mais rigorosas atreladas à sazonalidade que é refletida nos meses mais quentes, quando o consumo diminui, contribuem para a evasão, se referindo às quase duas mil famílias que abandonaram a atividade nos Vales do Taquari e Caí. “No último ano passamos o inverno com os preços em declínio em virtude da crise econômica, principalmente, e também em função das importações que vinham competir de forma desigual. Em meio a esta crise, a produção nacional aumentou expressivamente e em contrapartida o consumo caiu. Precisamos definir o volume de produção de leite e trabalhar padrões de qualidade para que o Brasil seja importador e exportador para que haja um equilíbrio”, ressalta.
O presidente mostra certa confiança em relação aos próximos meses com a proibição temporária de importação de leite provindo do Uruguai e com a diminuição na produtividade nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, que ocorreu em razão da baixa precipitação de chuvas, resultando assim em menor produção. “São alguns fatores que começam a sinalizar pequenas melhoras, uma vez que a economia retoma lentamente seu ritmo. Acredito que a queda nos preços cessou e que teremos uma pequena elevação nos próximos meses”, finaliza.