O cancelamento de uma exposição no Centro Cultural do Santander em Porto Alegre deu o que falar na semana passada. Se você não acompanhou o caso, trata-se do seguinte: uma exposição de obras de 85 artistas plásticos foi fechada um mês antes da data prevista, em razão de protestos pelas imagens alegadamente desrespeitosas ali apresentadas.
O caso repercutiu muito. No Brasil todo e também fora. Jornais de importantes cidades do mundo noticiaram o fato. Aqui, a polêmica rendeu. Fotos das obras condenadas circularam amplamente e o debate ficou aceso.
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Por razões variadas, o acontecimento dá o que pensar.
Primeiro, chama a atenção a facilidade com que pessoas se sentem muito ofendidas por uma exposição feita dentro de um museu, exposição que só ficava acessível para quem fosse até o local para ver. É bem diferente do que acontece com as imagens da TV, por exemplo, que entram na nossa casa sem pedir licença e todos nós sabemos que pode haver crianças assistindo sem o acompanhamento de adultos responsáveis.
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Segundo, também chama a atenção verificar como alguns se sentem à vontade para decidir o que é bom para os outros. Ou seja, há pessoas que não se contentam em não gostar do conteúdo de uma exposição. Elas acham que tem de decidir o que toda a população deve gostar. Ao se sentirem desconfortáveis com uma mostra chamam para si o papel de barrar a possibilidade de outros ter acesso e julgar por eles mesmos se querem ou não querem ver.
Estes que encabeçaram o protesto também pareceram à vontade para decidir o que é arte e o que não é e – como sabemos – o conceito de arte varia no tempo e no espaço. É difuso e impreciso.
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Terceiro, observa-se que um grupo se dá ao trabalho de resolver o que são imagens indecentes e o que fica liberado. Além disso, que produza movimentos para proteger os outros dessa indecência. Especialmente por que há tantos atos impróprios para menores sendo cometidos e revelados no Brasil e não se veem os mesmos protestos contra isto.
Por exemplo, por que não é indecente a imagem de 51 milhões de reais de procedência suspeita guardados em apartamento de um representante do povo, que apareceu recentemente na TV, nos jornais, nas redes sociais?
Outra: por que não é indecente a imagem de gente mal atendida em hospitais públicos, ou a imagem de crianças subnutridas em favelas com esgoto a céu aberto, estando escrito na Constituição brasileira que todos são iguais perante a lei e que todos têm direito à saúde?
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O lado positivo de toda esta confusão é que nos dá chance de pensar um pouco mais.
Podemos até lembrar da frase de Carl Ove Knausgard: “Nenhum olhar é puro, nenhum olhar é vazio, nada é visto da maneira como é em si mesmo… todo o sentido que eu posso captar vem de mim”.