Desconheço o autor, mas a citação é perfeita. “O amor é a mais nobre fraqueza do espírito”. Comparado ao festival de crises éticas que assola o país, essa debilidade de caráter até ajuda a aliviar o peso do mundo que carregamos nas costas. Mas existem casos que assumem proporções desastrosas, ou às vezes, ridículas. Por exemplo, o devotado marido que, por uma dessas travessuras do destino, permitiu-se ao flerte com uma vizinha.
Todas as manhãs embarcavam no mesmo ônibus. Trocavam impressões genéricas sobre o tempo, o mundo em crise e o Brasil corrupto. É claro que a conversa – como acontece entre homens e mulheres – descambou para a intimidade e confissões onde o tédio, a carência, levaram a um súbito jogo de sedução naquele percurso para o trabalho.
Do transporte coletivo para a reclusão de um motel, não demorou meio ano. De repente estavam os dois a conversar os mesmos temas matinais entre paredes de cores e iluminação quentes. Ele confessava uma profunda atração, queria discutir isso com ela. E entrou nos detalhes dos “íssimos” da culpa, ou seja, a esposa amadíssima, que lhe dera filhos queridíssimos. Porque então passara a sentir essa atração gostosíssima?
Embora a tarde fria e chuvosa, despiram-se, tímidos, entre a culpa e o desejo. Tudo ia daquele jeito que não posso publicar neste recatado espaço até ele perguntar, em tom de brincadeira: “Você não tem nenhum gravador aí?” O clima, é claro esfriou. “Eu tenho cara de empresária corruptora?”. O marido estava corroído pela culpa. Nu e quase em surto buscava justificativas àquele momento.
“Estarei em crise de meia idade?”. Sabia ser jovem demais para isso. E maduro o suficiente para não se comparar à imoralidade nacional. Era apenas um ser humano frágil naquele exato sucumbindo aos avanços decididos da vizinha. Beijos sempre embaralham a fala e a lógica. Quando tudo se encaminhava para a atividade fim proposta a um bom motel ele recuou – heroica, ou covardemente.
Afastou o corpo da vizinha – que era solteira – e foi com essa justificativa que sentenciou: “Você é livre. Eu tenho filhos, mulher e compromissos com eles”. Disse que sentia-se como um desses políticos que se utilizam da fé alheia para esconder seu lado podre. A sua maneira, sentia-se apunhalando o lar que ajudara a construir. Vestiu-se às pressas. A vizinha, por sua vez, não entendia os motivos de tanta pregação, tanta teoria para nenhuma ação. O crime fora cometido, mesmo sem consumação. Teriam os dias seguintes para arrependimentos.
Saíram discretamente, como os que jogam por um empate e sentem-se derrotados ao final. Por precaução, ela decidiu antecipar o horário do ônibus. O frio da manhã incomodaria menos do que o gelo de um amante cheio de culpas. Algumas lições aprenderam, ou para o bem, ou para o mal. Quem sou eu para julgar.