Antigamente, a vida era mais simples.
Para começo de conversa, poucos caminhos se abriam para as pessoas. Em geral só tinha um, e a manada inteira se enfiava por ali. Resultado: o cansaço era menor.
Fazer escolhas é pesado. Por mais que a gente reflita não tem como saber em qual bicho tudo vai dar. Provavelmente ficará a ideia de que a opção não escolhida era melhor. Provavelmente era.
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Antigamente, o povo fazia mais ou menos as mesmas coisas. Comprava roupas em certas datas; educava filhos de um certo jeito – com muita vara ou com pouca vara… Mulheres se comportavam de uma maneira; homens, de outra. Os rituais para os domingos eram assim-assim já, nos sábados tinha de ser assado.
De onde chegavam as instruções de comportamento? Pois é, eis a questão. Talvez um pouco vinha da escassez de recursos mesmo; outro pouco dos caciques que não jogavam palavra fora: falavam e tava dito. “Como todo o mundo” era o que se pode chamar de lei oculta, mas, ao mesmo tempo, amplamente conhecida. Se é que dá para entender.
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Sim, a vida parecia simples. Isto não quer dizer que fosse melhor. “Como todo mundo” era uma ditadura. Quem não aguentasse o esquema virava ovelha negra. Perdia o lugar entre os sujeitos dignos de respeito. Babaus. Fazer o quê? Talvez fosse possível voltar para o redil, mas a condição era suar dobrado.
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Minha primeira dúvida em relação a “todo mundo” é saber se a entidade afrouxou o poder que tinha.
Tenho a impressão de que mudou pouco. Agora temos de fazer mais coisas – talvez seja esta a diferença principal. O olho oculto permanece vigilante e enxerga até mais.
“Como todo mundo” usa cosméticos, é estranho atrever-se a não usar. “Como todo mundo” olha novela, não olhar é excentricidade. “Como todo mundo” tem cara de feliz, alguém aí pode não ter? “Como todo mundo” é um sucesso as 24 horas, alguém pode desabar? “Como todo o mundo vai no verão para a praia”… Etc., etc.
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Minha segunda dúvida diz respeito à força que a gente tem para ser independente. Quero dizer, para formular ideias próprias e fazer escolhas, mesmo na contramão da tribo. Toda unanimidade é burra – disse Nelson Rodrigues. Mas a verdade é que custa caro descobrir caminhos próprios.
O consolo é saber que a liberdade começa de dentro para fora e aí ninguém ataca.