Os índices assustadores de criminalidade levam muitos a medidas extremas de cuidados para escapar da violência cotidiana. Um conhecido comerciante de carnes da região metropolitana de Porto Alegre, cansado de tantos assaltos, optou por uma alternativa bem exótica: quando o caixa tinha uma quantia considerável, colocava o dinheiro em sacos plásticos e, na câmara fria os envolvia em carne moída, pesava e acondicionava com preço e tudo e os reservava como uma encomenda especial.
Às vezes chamava um motoboy que levava os guisados “recheados” até a casa de seu filho mais velho, que depositava o dinheiro. “Ladrão nenhum jamais se interessaria por guisado de segunda”, acreditava. Ele também se utilizava das máquinas de débito, mais seguras do que muitos cofres. O problema é que muitos clientes não aceitam essas novas tecnologias, tem receio de usar cartões que, bem ou mal, acabam gerando custos.
Por isso, o sistema do falso guisado, ainda lhe era conveniente. Tudo correu bem, sem sustos, até o dia em que o movimento estava tão intenso que acabou esquecendo três pacotes no freezer. Cada um deles recheado com R$ 1.500,00. Ao lembrar, correu à câmara fria e cadê os guisados? Simplesmente haviam desaparecido com seu recheio milionário.
Apavorado, descobriu que um auxiliar, contratado recentemente, e que não sabia de suas manias, ao ver os pacotes separados juntou-os aos demais também pré-embalados e os vendeu. De uma hora para outra, distribuíra R$ 4.500,00 para três fregueses que nunca se manifestaram para devolver o dinheiro.
A família exigiu que parasse com isso. “É claro, agora já conhecem meu sistema”, respondeu desacorçoado. E criticou os governos, o povo, a falta de educação e de ética que obrigava a comerciantes de médio porte, como ele, a inventar coisas esquisitas, improváveis para escapar dos riscos diários. Chegou a pensar em aceitar só pagamentos via cartão. Desistiu na hora, estaria fora da lei. “É muito mais fácil punir um comerciante que tem medo de roubos do que um ladrão”, ponderou. E sei lá se ele não tem razão.
Mas de qualquer maneira, alternativas radicais não costumam funcionar. O bom mesmo é exigir educação e segurança nas esferas públicas que nos empurram um guisado de segunda já faz tempo enquanto se esbalda em atividades muito mais escabrosas do que enrolar dinheiro em guisado. Mesmo assim, entre o desespero e o destempero, existe um fio tênue que precisa ser preservado. O lado frágil, sabemos qual é.