Arroio do Meio – O resultado parcial de um estudo que vem sendo feito no Hospital São José no tratamento de crises suicidas foi apresentado em Buenos Aires, Argentina, na semana passada. O médico coordenador do Programa de Residência Médica em Psiquiatria, Rafael Moreno, fez a apresentação do ensaio clínico durante a realização do World Congress on Brain, Behavior and Emotions.
O estudo, que iniciou neste ano, tem como foco o uso de uma medicação para o tratamento de crises suicidas. O medicamento já é conhecido pela classe médica, mas não era utilizado para este fim. “É uma medicação antiga e que agora se descobriu esse efeito inovador”, afirma Moreno. Ele explica que 90% dos pacientes que integram o ensaio clínico apresentaram melhora significativa depois do uso por duas semanas. Todos os pacientes, cerca de 20, estiveram internados no HSJ e são originários de vários municípios do Vale do Taquari.
Todo o grupo que faz parte do Programa de Residência Médica em Psiquiatria do HSJ integra o estudo. Além da apresentação no Congresso, os resultados preliminares da pesquisa devem resultar num artigo a ser publicado numa revista internacional de psicofarmacologia. O trabalho também concorre ao Prêmio Lundbeck.
Preocupação
Um dos pontos levados em consideração para o início do trabalho foi o alto índice de suicídios registrado na região. Arroio do Meio, Travesseiro e Capitão apresentam uma das taxas mais altas do país. Os municípios, segundo o médico psiquiatra, já superaram Venâncio Aires que até pouco tempo era tido como o que apresentava um alto percentual no segmento.
Capitão, Travesseiro e Arroio do Meio apresentam um índice próximo a 40 suicídios por 100 mil habitantes/ano. Para se ter ideia da gravidade da situação, a taxa do Brasil é de 5,8 para cada 100 mil habitantes/ano. Uma média muito inferior a dos municípios. O país com o maior índice do mundo é a Guiana, com 44 casos a cada 100 mil habitantes/ano.
Como prevenção, Rafael afirma que é fundamental o engajamento dos municípios, com a qualificação de suas equipes de saúde e educação. No entanto, ele percebe que o empenho nesta questão, considerada de saúde pública, ainda é pequeno. Acredita que as equipes gestoras dos municípios não tenham se dado conta da gravidade da situação e do quanto é importante ter pessoas qualificadas, a fim de quebrar este ciclo que só aumenta.
Para o psiquiatra é preciso estimular as pessoas para que busquem ajuda médica, já que há tratamento disponível, inclusive pelo SUS. Contudo, salienta que o preconceito com as doenças mentais é grande e o profissional psiquiatra ainda é visto como “médico para louco”, quando na verdade é o agente que intermedeia o tratamento adequado.
Tão importante quanto buscar auxílio é o atendimento especializado. As vezes o paciente até procura ajuda, mas o profissional de saúde nem sempre está preparado para auxiliá-lo da melhor forma. Por isso, da importância da qualificação das equipes de saúde.
Outra forma de prevenção é o bloqueio ao acesso aos métodos utilizados para o atentado. É eficiente nos casos em que o paciente manifesta a ideação suicida ou tem o diagnóstico de depressão.
O perfil
Homens, agricultores e pessoas com histórico familiar de suicídio. Este é o perfil de quem mais atenta contra a própria vida na região, segundo o estudo feito pelo grupo da Residência em Psiquiatria.
O isolamento provocado pela atividade pode ser um dos fatores que aumenta os riscos para os agricultores. O fato de trabalhar com agrotóxicos ou ser de cultura alemã são considerados mitos, já que não há qualquer comprovação científica que ligue as duas situações.
A cultura de que os homens devem ser fortes e, estar mentalmente doente seria sinal de fraqueza, também acaba por colocar o gênero masculino entre as principais vítimas do suicídio. Em função do preconceito, os homens são resistentes e raramente buscam ajuda médica. A cada cinco pessoas tratadas para depressão apenas uma é homem. E são os homens que também atentam de forma mais letal.
Em relação ao histórico familiar, Moreno destaca que há relação genética e também o fator cultural criado dentro da própria família, com casos se repetindo em diferentes gerações.
Os números
O Brasil registra 26 casos de suicídios por dia. Nos últimos 25 anos houve um aumento de 30% nos casos. O Rio Grande do Sul é o estado que lidera o ranking com mais de oito suicídios por 100 mil habitantes por ano.
Mais de 50% das vítimas cometem suicídio na 1ª tentativa.
50% das pessoas que atentam contra a vida nunca foram diagnosticados com um transtorno psiquiátrico.
50% tiveram contato recente com um clínico, e/ou receberam diagnóstico ou tratamento para algum transtorno mental.