A virada do tempo desta semana é mais uma prova de que nós, gaúchos, não somos apenas moradores do extremo Sul do país: somos sobreviventes. Afinal, há poucos dias experimentamos uma temperatura de mais de 36°C, com muito mormaço, ausência de brisa, abafamento insuportável.
A terça-feira custou a clarear, emoldurada por vento, chuva, umidade. São as “velhas novidades gaudérias”, em que tudo se repete, sem surpresas, mas que, no final, acabam nos surpreendendo. É a largada para a tradicional guerra entre os apaixonados por calor e os amantes do frio.
Em menos de uma semana teremos uma radical transformação de hábitos, roupas e alimentação. A garganta vai arranhar por alguns dias, resultado da oscilação das temperaturas, permeada pela indefectível umidade que assola o território gaúcho. Vamos relutar para retirar as roupas pesadas perfumadas de naftalina e mofo da parte de cima dos armários.
Aos poucos olharemos a prateleira de vinhos com mais compreensão, flertaremos com o chocolate quente com maior vigor e os ingredientes da feijoada serão notados junto às gôndolas do supermercado. Mantas, blusões, jaquetas e botas subitamente serão guindadas às condições de vedetes (bah… termo antigo, heim?) do dia a dia, acalentados para fazer frente aos rigores de inverno.
O inverno faz recordar o aroma de bergamota, a infância na Escola São Paulo e a laranja de umbigo
Somos sobreviventes de um clima rigoroso, no inverno e no verão, residentes na parte mais meridional do Brasil. Temos os hermanos Argentina e Uruguai como vizinhos, com que mantemos amistosas relações. Gostamos da culinária e, dependendo do câmbio, dos preços dos free shops, o que demonstra que tudo – sempre – tem os dois lados.
Mas estamos distante dos maiores centros do país, como São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, e ainda mais longe das paradisíacas praias nordestinas. Isso obriga a grandes despesas de deslocamento e gasto de tempo que rouba dias em aeroportos nas férias compradas em 10 vezes nos pacotes turísticos.
A chegada do inverno é o momento de um ritual esperado. Para quem é “jovem há mais tempo”, como eu, o assobio do vento sul desperta recordações da infância no bairro Bela Vista, da ida a pé até a Escola Luterana São Paulo nas manhãs glaciais. Lembro com nitidez da bolacha Maria do recreio, comprada no armazém do seu Décio Jung, sem falar do cheiro de bergamota, das laranjas de umbigo.
Os hábitos mudaram, o consumismo invadiu nossas vidas de maneira avassaladora. Tudo se altera, mas as recordações se mantêm intactas em nossos corações e mentes. Reminiscências são para sempre. Como a família e os amigos. Bom inverno!