Tempos atrás me envolvi em acidente de carro. O outro motorista entrou na preferencial sem olhar para os dois lados e acertou de cheio em quem passava – por acaso, eu.
Não admira que o motorista se atrapalhasse. Ele saíra cedo de casa. Não vinha de longe, mas vinha conduzindo com o medo que acompanha quem raramente “guia um auto” – como ele dizia. O homem só pegava o carro para algum fim muito especial: ir ao médico; fazer uma compra mais graúda; comparecer a uma festa.
O estrondo nos fez parar a ambos. Saímos os dois assustados para avaliar o estrago. Compreensivelmente, o outro estava ainda mais nervoso do que eu.
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Ninguém tem prática em lidar com acidentes. Até que a coisa aconteça, não se atina no jeito de reagir ao fato. Contar até dez, respirar fundo – só se pensa nisso depois. Bem depois. Ou antes de um acidente. Na hora, pode dar um branco. Pode, também, saltar uma energia inesperada e a gente ir botando os pés pelas mãos sem nem notar.
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O fato é que eu fiquei meio pateta. Não conseguia enxergar bem o amassamento, muito menos, me vinham as palavras que devia dizer.
O cara, por sua vez, reagiu do jeito oposto. Desatou a gesticular, a falar qualquer coisa, a xingar, empurrando a culpa para o meu lado. Que eu andava muito ligeiro ou devagar demais – já nem lembro. Que eu vinha com a luz alta ou sem a luz necessária. Que eu devia ter buzinado. Que eu devia ter freado. Etc.
Em minha defesa, eu ainda não tinha chegado a formular frase nenhuma, quando a esposa do motorista entrou em cena. Saíra silenciosa do assento onde sentava e viera vindo. Avaliou o que tinha acontecido e nem precisou muito tempo para matar a charada:
– “Quando a gente não tem razão, a gente tem que reconhecer” – ela disse – olhando mais para o marido do que para mim.
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Depois disso, foi só combinar como o dano seria coberto.
Meu prejuízo ficou restrito a um dia ou dois sem automóvel.
O que sobrou mesmo foi um ensinamento. Volta e meia retomo aquela lição preciosa: “quando a gente não tem razão, a gente tem que reconhecer”.
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Lembrei do caso de novo agora, no meio desta crise política que atormenta o Brasil.
A atual encrenca teria outro volume, se os figurões sagrados da república, isso, se também eles conseguissem admitir os erros que cometem.