A gente nasce e morre só. E talvez por isso mesmo é que se precisa tanto de viver acompanhado – Rachel de Queiroz
Desde os primórdios da civilização humana, a convivência grupal sempre existiu, nas diferentes culturas e épocas as relações grupais sempre tiveram um porquê. Atualmente, de acordo com a psicóloga Valquiria Breyer Lopes, vivemos em uma sociedade com algumas peculiaridades, entre elas, a ideia de viver sozinho, um modo de vida que era compartilhado na maioria das vezes por pessoas idosas ou viúvos (as), que eram rotulados como pessoas solitárias e/ou abandonadas. “Viver só, passou a ser uma opção de vida, é possível viver só e estar de bem com a vida, estar feliz, embora para muitos viver só remeta à ideia de solidão e isolamento, o que não é verdadeiro. Viver só é a possibilidade de ter o seu espaço, ter a sua independência, poder ter a sua rotina, a sua organização sem precisar dar satisfação a ninguém”, pontua ela.
Pensando nisso é preciso diferenciar alguns pontos importantes para podermos falar sobre solidão. “Viver só é uma opção de vida, solidão é um sentimento, e isolamento é um comportamento que às vezes se faz necessário, momento de introspecção, momento de avaliar a vida afetiva, profissional, pessoal, porém, como tudo que é exagerado, o isolamento também em demasia pode ser o sintoma de várias doenças como depressão, fobia, síndrome do pânico ou até mesmo estresse”, adverte a profissional.
De acordo com ela, a solidão hoje sentida por pessoas de todas as idades é um sentimento que cada vez mais vem sendo manifestado: “Trabalhamos e convivemos com muitas pessoas, temos amigos, conhecidos e família, mas assim mesmo a solidão emerge das entranhas do ser. Sabemos que a solidão pode ser um sentimento momentâneo, transitório, decorrente de algum fato que a pessoa tenha vivenciado como perda de um familiar, rompimento de uma relação, demissão no trabalho, mudança de cidade, porém, quando a solidão se transforma numa amarra difícil de ser desatada ela deixa de ser algo de momento e deve ser vista já como um quadro mais grave. Independente do grau da solidão que a pessoa sente, é importante buscar um acompanhamento psicológico. É no espaço terapêutico que a pessoa poderá verbalizar seus sentimentos e suas angústias e ter ali alguém para escutá-la sem ter a pretensão de fazer qualquer julgamento, mas, sim, pontuar e questionar as questões trazidas.”
Consequências da solidão
De autor desconhecido a frase “A solidão é uma arma que mata mesmo não tendo ninguém para dispará-la” é usada pela psicóloga para tratar sobre a solidão. Segundo Valquiria, o disparo desta arma é invisível aos nossos olhos, e é um disparo lento e silencioso, inicialmente sutil, quase que imperceptível, mas à medida que o tempo passa a sensação é que não há mais como travar o gatilho desta arma. A solidão consome, destrói, silencia, levando, sim, a pessoa a um movimento de isolamento, de afastamento social, vivendo num mundo às vezes completamente alheio ao mundo real na qual está inserida.
Na sequência do tema, a psicóloga questiona: A solidão é decorrente da depressão ou a depressão é decorrente da solidão? Como resposta, afirma que a solidão é um sentimento, a depressão é um conjunto de sintomas que caracterizam a doença como tal, mas com certeza a solidão, o isolamento e a depressão acabam se fundindo num quadro que às vezes se pergunta onde tudo começou. A solidão dificilmente será vivida isoladamente, junto dela outros sintomas podem ser manifestados, mas talvez nem sempre de forma tão evidente, ou ainda nem sempre é dada a devida importância aos demais sintomas: “Solidão nos remete à sensação de vazio. E que fazem as pessoas quando se sentem vazias? Algumas comem, fumam ou bebem compulsivamente, outras saem às compras compulsivamente, ou seja, a necessidade de fazer algo que lhes proporcione a sensação de serem preenchidas, mas o efeito deste preenchimento é momentâneo, e logo depois o vazio se instala novamente e junto mais uma vez a dor, o sofrimento de sentir-se só mais uma vez.”
Uma ajuda importante
Para Valquiria, muito mais que tentar preencher esse vazio com ações que provoquem um alívio momentâneo é importante o acompanhamento terapêutico, mesmo que há quem diga que “é possível sair sozinho dessa”, o tempo que isso demanda é muito mais longo quando não existe esse amparo. Ela explica que não está dizendo que o processo terapêutico dará conta num curto espaço de tempo, mas estará ali alguém para dar suporte nesse momento tão difícil, uma vez que o processo terapêutico é a possibilidade de ter o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar que enxergue um sujeito em sofrimento e cada um dentro da sua especificidade colaborando no processo de resgate da saúde psíquica da pessoa: “Resgatar a saúde psíquica não significa somente deixar de sentir a solidão ou deixar do seu isolamento, mas, sim, resgatar a autoestima, a autoconfiança, é travar o disparo da arma silenciosa e invisível, impedindo que a mesma destrua a pessoa de forma sutil e silenciosa”, conclui.