“Não se pode ser sem rebeldia. A tarefa dos pais e educadores é ajudar o adolescente a encontrar um sentido produtivo e criador para a sua rebeldia.” É com base no pensamento de Paulo Freire que a psicóloga Ivone Lucia Brito responde nossos questionamentos sobre rebeldia e filhos.
AT – Quais as principais características que podem ser conferidas a um filho rebelde? Elas variam conforme a idade?
Psicóloga Ivone Brito – A rebeldia já virou sinônimo de adolescência. Rebeldia é um comportamento comum na fase adolescente, comum no sentido de frequente e não próprio desta fase. Pode-se dizer que é universal, inevitavelmente acontecem com a maioria os jovens, aparecem com as mudanças corporais, o aparecimento do interesse sexual, a mudança de outros tipos de interesse, uma nova forma de se relacionar com o mundo. Esta fase de transição é muito marcante para o adolescente e todas estas modificações da adolescência provocam conflitos na forma do adulto se relacionar com o adolescente e a sociedade também provoca discussões confusas, fazendo com que a maturidade do jovem seja vista de diferentes formas.
Rebeldia é uma etapa na adolescência que se caracteriza por uma atitude violenta e oposta aos limites estabelecidos pelos pais e a sociedade, os adolescentes rebeldes confrontam os que não os entendem. Os jovens demonstram esses desacordos de diferentes formas: murmurando, gritando, reclamando, manifesto no seu comportamento opositor.
Segundo algumas publicações, existem quatro tipos de rebeldia: rebeldia regressiva; Rebeldia agressiva; Rebeldia transgressiva; Rebeldia progressiva.
AT – É correto pensarmos que atualmente os filhos estão se comportando de maneira mais rebelde do que no tempo dos seus pais e avós? O que, na sua opinião, explica essa mudança de comportamento?
Ivone – No tempo de nossos pais e avós a educação era mais rígida, não se podia responder para uma pessoa mais velha e ao dirigir a palavra a ela pedia-se permissão, quando uma criança não respeitava os pais era punida e/ou colocada de castigo, quando não apanhava. Os pais, para não repetir a educação rígida que receberam, educam os filhos com mais liberdade de expressão. Penso que na tentativa de proporcionar aos filhos o que nunca tiveram, os pais acabaram caindo no extremo oposto da educação que receberam: a permissividade. Atualmente eles aderiram ao modelo horizontal, em que pais e filhos têm os mesmos direitos, evitando o uso da autoridade por confundi-la com autoritarismo. Quanto a esta mudança de comportamento, a conduta rebelde depende muito do ambiente familiar, se a criança cresce ouvindo que será assim (rebelde) a partir de determinada idade, provavelmente desenvolverá alguns comportamentos para responder ao esperado, sem que isto surgisse normalmente. Frente a isso, não podemos atribuir à fase adolescente toda a responsabilidade pela rebeldia comum nesta fase. Dependendo da relação familiar e do grupo de convívio do adolescente, suas características podem ser diferentes do esperado. Nem todos os jovens desenvolvem os mesmos comportamentos convencionados como característicos, e nem todas as famílias apresentam problemas na definição de como educar o adolescente.
AT – Em sua experiência profissional você tem se deparado com muitos pais preocupados com a rebeldia dos filhos? Até que ponto podemos estabelecer uma relação entre rebeldia e falta de limites?
Ivone – No consultório atendo muitas crianças e adolescentes, os pais buscam orientação, preocupados com a rebeldia dos filhos. Vou usar um exemplo que não é caso clínico e tampouco de minha autoria, mas que elucida a questão: um bebê que se recuse a dormir no berço acaba atrapalhando muito a vida dos pais e dos outros que estiverem ao redor. O bebê recém-nascido mamou, arrotou e em seguida quer dormir – é fisiológico. Se a mãe deixa-o no colo até adormecer, ele aprende que lugar de dormir é no colo. Quando a mãe coloca o bebê no berço, ele chora. Então a mãe pega de volta no colo até dormir. O que o bebê aprendeu? Que lugar de dormir é no colo e berço não é lugar para ficar. Para o bebê é mais gostoso ficar no colo do que no berço. Ele quer o mais gostoso, pois assim aprendeu. Quando dorme no berço, seu sono é mais tranquilo, sem movimentações nem sacolejos, portanto, mais fisiológico é o que ele precisa para acordar melhor. Ao contrário, no colo ele é acordado sem se despertar, portanto, o sono é interrompido. O bebê e a mãe terão que se reeducar. O bebê não é indisciplinado. Os pais é que são indisciplinados ao ensinarem a dormir no colo e depois querer que durma sozinho. Penso que toda criança que não tem limites se torna rebelde. Os filhos são reflexos dos pais e, muitas vezes, o processo de reeducação tem que começar com eles.
AT – Em que medida a rebeldia de um filho pode ser interpretada como um pedido de socorro, uma forma de mostrar aos pais e/ou responsáveis algo do tipo “Eu estou aqui e preciso da sua atenção!”?
Ivone – A rebeldia pode ser apenas uma reação à falta de habilidade dos adultos para lidar com esta nova fase, falta de compreensão, falta de apoio e esclarecimento das modificações. Esta fase de transição assunta o jovem, por isso é necessário o apoio e compreensão dos pais, por ser uma etapa absolutamente desconhecida. Os pais devem entender que não podem mais tratá-lo como a criança que era, e que não tem maturidade suficiente para assumir uma vida adulta. Caso os adultos que se relacionam com o adolescente continuam a tratá-lo como criança, não conseguem minimamente aceitar que seus interesses são outros e tampouco tiverem condições de estabelecer uma relação de colaboração e confiança, a probabilidade de rebeldia na adolescência continuará sempre fazendo com que estas características sejam marcantes nesta fase. A rebeldia também pode demonstrar que houve mimos exagerados, superproteção, negligência, indisciplina; ou um sinal de alerta para os pais reverem seus papéis e ainda um pedido de ajuda dos filhos, uma forma de chamar a atenção, escondendo uma solicitação por mais atenção, carinho e qualidade de tempo. Nesses casos, é importante ouvir o que os filhos têm para dizer, eles podem estar tentando reagir a atitudes autoritárias, irracionais, extremistas ou insensíveis dos pais. Na educação dos filhos os pais precisam ser fortes, é necessário que consigam transmitir a diferença entre o que é aceitável ou não, entre o que é essencial e supérfluo, e assim por diante.
AT – Como saber quando é o momento de procurar ajuda tanto para o filho como, muitas vezes, também para os pais que, por vários motivos, acabam delegando a terceiros praticamente toda a educação dos filhos? Quem está apto a ajudar essa família?
Ivone- Acordando com o que afirma o psiquiatra e psicoterapeuta Içami Tiba aborda em sua obra Disciplina, limite na medida certa, cito: “quando o filho é contestador desde pequeno, entra no critério da avaliação educativa. O ser humano é um ser social, gosta de conviver pacificamente mais do que contestar. Por natureza, a criança quer agradar os pais. Se já estiver contestado, é sinal de que algo não vai bem. É melhor procurar a ajuda de um profissional especializado, porque a reação vai ganhar muita força na adolescência e os pais podem perder o controle da situação. Neste caso, os pais podem contar com a ajuda de um psicólogo e/ou um orientador educacional.”